Estiagem aguda ameaça fornecimento de água e luz no Sudeste e Nordeste e afeta economia - Seca no horizonte: ponte sobre o Rio Jacareí está com nível muito baixo 
SÃO PAULO - Um quinto da população brasileira já está sofrendo os 
efeitos da seca neste início de ano em todo o país. Levantamento feito 
pelo GLOBO com base em informações de comitês de bacias hidrográficas e 
governos estaduais mostra que ao menos 45,8 milhões de pessoas vivem em 
regiões em que os níveis dos reservatórios estão abaixo do normal e a 
quantidade de chuvas é menor que a média histórica. A falta d’água já 
tem causado, em estados do Sudeste e do Nordeste do país, racionamento 
em áreas urbanas, redução na irrigação de propriedades rurais e 
cancelamento da navegação. Caso se prolongue, a estiagem ameaça a 
geração de energia nas hidrelétricas e a produção industrial, segundo 
especialistas.
 
 
Ao longo de 2014, a seca levou 1.265 municípios de 13 estados do 
Nordeste e do Sudeste a decretarem situação de emergência, de acordo com
 o Ministério da Integração Nacional —hoje, 936 cidades estão nessa 
situação. O procedimento, geralmente adotado por cidades pequenas e 
médias, autoriza os gestores públicos a pedir recursos federais para 
ações de socorro e serviços emergenciais. O número de municípios que 
sofrem impactos causados pela seca, porém, pode ser maior, já que nem 
todos recorrem ao expediente. No estado de São Paulo, onde ao menos 64 
cidades estão sofrendo problemas relacionados à estiagem, só três 
tiveram o pedido de situação de emergência reconhecido pela Secretaria 
Nacional de Proteção e Defesa Civil.
CEARÁ: SECA ATINGE 5,5 MILHÕES
No Ceará, onde a
 seca afeta 5,5 milhões de pessoas, 176 das 184 cidades do estado 
decretaram emergência. Os estados do Nordeste convivem com os efeitos da
 crise desde 2012. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, 
estima que 19 milhões de pessoas estejam sendo afetadas na região 
abastecida pelo rio em Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas e norte de 
Minas Gerais. O reservatório de Três Marias terminou a semana com 10,23%
 da sua capacidade, o que levou o comitê a questionar as regras para 
geração de energia na barragem. Além disso, a navegação e a pesca em 
alguns pontos do Velho Chico foram comprometidas.
No Sudeste, a gravidade da situação ficou mais em evidência neste 
mês, já que o início do verão não trouxe as chuvas necessárias para 
recuperar os reservatórios. Como resultado, as três maiores regiões 
metropolitanas do país convivem com a possibilidade iminente de 
desabastecimento. Embora o governo do Rio negue o risco de racionamento,
 o volume morto do reservatório Paraibuna, o maior da bacia do Paraíba 
do Sul, que abastece a Região Metropolitana, está sendo utilizado pela 
1ª vez desde sua criação, nos anos 1970. O sistema Paraopeba, que 
abastece a Grande Belo Horizonte, pode secar em três meses, segundo a 
Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais, afetando cerca de 2,5
 milhões de pessoas.
Na divisa com o Espírito Santo, o problema é no Rio Doce. Em 
Governador Valadares a vazão do rio está dez vezes mais baixa do que o 
esperado para esta época do ano — caiu dos habituais 1.090 metros 
cúbicos por segundo para 110. Na cidade capixaba de Colatina, o mesmo 
rio atingiu, na segunda-feira, o nível de nove centímetros, enquanto 
costuma correr com uma altura de pelo menos dois metros, segundo o 
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, onde vivem 3,5 milhões de 
pessoas.
Em São Paulo, o sistema Cantareira, também maior do estado, pode 
ficar sem água em julho, caso o ritmo das chuvas e a quantidade de água 
retirada para abastecimento continuem os mesmos, de acordo com o estudo 
feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres 
Naturais (Cemaden). Somando-se os paulistas abastecidos pelo Cantareira e
 pelo Alto Tietê, há 16,5 milhões de pessoas atingidas pela crise 
hídrica no estado.
Para enfrentar a crise, os governos devem mostrar a gravidade da 
situação com a maior transparência possível para a população, além de 
investir na redução de consumo e do desperdício e em campanhas 
educativas, segundo o coordenador do grupo de estudos de recursos 
hídricos da Academia Brasileira de Ciências José Galizia Tundisi. 
Professor da Universidade de São Carlos, Tundisi diz que a falta de água
 pode gerar uma espiral de consequências que afeta até a economia:
— A primeira coisa que a gente pensa quando fala de crise hídrica é o
 consumo humano. Mas a falta d’água não afeta só abastecimento, mas 
também a economia, a produção de energia, a produção de alimentos, as 
indústrias que utilizam a água como insumo. Até a saúde humana é afetada
 numa situação como essa. A qualidade da água se altera 
consideravelmente em níveis mais baixos — afirma o professor.
O meteorologista Luiz Carlos Baldicero Molion, pesquisador da 
Universidade Federal de Alagoas, afirma que deve levar mais seis anos 
para que o Sudeste volte a ter um regime de chuvas acima das médias 
históricas. Ele chegou à conclusão após analisar a série de chuvas em 
São Paulo desde 1888. Segundo ele, o estado teve ao menos outros três 
ciclos de secas de oito a nove anos ao longo do último século:
— Fazendo análise estatística, notamos que o Sudeste teve períodos de
 seca severa no início da década de 1930, depois de 1959 e em 1976. Como
 percebemos que a chuva tem ficado abaixo da média desde 2012, 
concluímos que é mais um período com poucas chuvas de longo prazo, que 
deve durar até 2020 ou 2021.
F: oglobo.com