Ex-comunista, exilado na ditadura, ele conta que seu hobby
é pintar, desenhar, fazer colagens. O poeta e mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) fala de sua decepção com o Partido dos Trabalhadores e afirma que fazer poesia não depende de sua vontade
é pintar, desenhar, fazer colagens. O poeta e mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) fala de sua decepção com o Partido dos Trabalhadores e afirma que fazer poesia não depende de sua vontade
por Eliane Lobato
O poeta maranhense Ferreira Gullar, 84
anos, acaba de ser eleito imortal da Academia Brasileira de Letras
(ABL), depois de décadas recusando a honraria. Recebeu 36 dos 37 votos,
sendo um em branco. Ele aceitou ocupar a cadeira 37, que pertenceu ao
presidente Getúlio Vargas (1882-1954) e ao jornalista e empresário Assis
Chateaubriand (1892-1968), simplesmente porque ela foi ocupada, por
último, por seu amigo e também poeta Ivan Junqueira, falecido em julho.
Mas a eleição que o mobiliza, atualmente, é a presidencial. Notório
crítico do Partido dos Trabalhadores, ele diz que “a saída do PT do
poder é uma revolução para o Brasil”.
Após ter votado em Marina Silva (PSB) no primeiro turno, Gullar, agora, optou por Aécio Neves (PSDB). Ex-comunista e ex-exilado pela ditadura, o poeta concorda que o ideal de sociedade mais justa é difícil de ser alcançado, mas defende que ele seja perseguido por todas as pessoas de boa-fé. Residente no mesmo apartamento há décadas, no bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, ele se diz feliz na companhia de muitos livros, quadros e da gata, cujo nome é Gatinha.
Após ter votado em Marina Silva (PSB) no primeiro turno, Gullar, agora, optou por Aécio Neves (PSDB). Ex-comunista e ex-exilado pela ditadura, o poeta concorda que o ideal de sociedade mais justa é difícil de ser alcançado, mas defende que ele seja perseguido por todas as pessoas de boa-fé. Residente no mesmo apartamento há décadas, no bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, ele se diz feliz na companhia de muitos livros, quadros e da gata, cujo nome é Gatinha.
Istoé -
O sr. escreveu, antes do primeiro turno, que esta eleição é das mais imprevisíveis e tumultuadas. Continua achando?
Ferreira Gullar -
Acho que o Aécio
(Neves-PSDB) tem chances de ganhar. Pode ser que não ganhe, mas
acompanhe: quem votaria na Dilma (Rousseff-PT) no primeiro turno já
votou. O Aécio, porém, teve seus votos divididos com a Marina
(Silva-PSB). Então, agora, quem tem possibilidade de crescer é ele. Acho
que a margem de crescimento dela é muito pequena. É, aliás, o que eu
desejo. Desejo que a Dilma perca a eleição. Doze anos no poder não tem
cabimento, e ainda quer ficar mais!
Istoé -
O sr. também acha que os 20 anos do PSDB em São Paulo são um exagero?
Ferreira Gullar -
Só que não tem essa safadeza, essa corrupção toda. O Geraldo Alckmin (PSDB) é um homem limpo.
Istoé -
O sr. vota em Aécio porque acredita que ele é a melhor opção ou porque ele é oposição ao PT, que o sr. critica tão fortemente?
Ferreira Gullar -
São duas coisas: primeiro,
alguém tem que substituir o PT, chega de PT. Segundo, não tenho dúvida
de que o Aécio é essa pessoa. Pelo governo que fez em Minas Gerais, acho
que ele não é um irresponsável, pelo contrário. Deu uma prova admirável
quando caiu nas pesquisas, ficou com menos de 20%, mas continuou na
batalha, dizendo que ia para o segundo turno, que ia ganhar. Achei
aquilo curioso. Achei que ele estava querendo apenas não jogar a toalha,
não se dar por vencido. Mas não, ele mostrou uma capacidade, uma raça
que é coisa muito positiva. E o Brasil precisa de uma pessoa assim, dada
a situação que o PT criou para o País.
Istoé -
Qual situação?
Ferreira Gullar -
O Brasil está encalacrado,
com a economia em crise, a inflação subindo, uma corrupção espantosa.
Não pode continuar isso. Acho que a saída do PT do poder é uma revolução
no Brasil. E a continuação é um desastre. Quando o PT foi criado, eu
fiquei a favor, acreditava que seria benéfico para o País, para fazer
avançar essa luta pela sociedade mais justa, e depois me desapontei.
Tenho sempre criticado o governo do PT, continuo nessa visão crítica, e
torcendo para alguém vencer o PT. Torci pela Marina no primeiro turno
porque parecia que ela é que iria disputar o segundo turno com a Dilma.
Mas agora é o Aécio. Eu o conheço, sei que é competente, capaz, e apoio a
candidatura dele.
Istoé -
Atualmente, o que atrai mais seu interesse, a poesia ou a política?
Ferreira Gullar -
Não sou político. Sou
cidadão e tenho uma coluna num grande jornal (“Folha de S.Paulo”) em que
posso emitir minhas opiniões. Agora, o País é uma coisa que me preocupa
o tempo inteiro. A poesia é outra coisa. Dou minha opinião de cidadão,
pai de família, com filhos e netos, que compreende que a sociedade
brasileira é muito injusta, e isso tem que ser mudado, corrigido, e é
obrigação de cada um de nós lutar contra isso. Não se pode aceitar a
desigualdade que existe no Brasil, os hospitais cheios de pessoas
morrendo sem ser atendidas, ou o ensino péssimo. Paga-se mal aos
professores, que têm que trabalhar em quatro ou cinco lugares para
sustentar a família.
Istoé -
O sr. tem feito poesia?
Ferreira Gullar -
Não. A poesia depende de
fatores que não dependem da nossa vontade. Posso determinar que vou
escrever uma crônica amanhã sobre tal coisa. Mas não posso dizer que vou
escrever um poema amanhã, porque vai sair uma bobagem. O poema, como
digo, nasce de um espanto, não é uma coisa que sai por querer. Mas eu
parei de me espantar. Só me espanto com a corrupção – mas a corrupção
não merece um poema.
Istoé -
E os quadros? Tem pintado? Algum novo livro?
Ferreira Gullar -
Meu hobby é pintar,
desenhar, fazer colagens. E esse hobby vai ganhar uma exposição em São
Paulo, em novembro, e depois outra no Rio. Tem um livro de colagem que
está sendo feito e deverá ser publicado no começo do ano que vem, por
uma editora nova, a Edições de Janeiro. E tem, também, por essa mesma
editora, um livro que venho compondo há 30 anos, que se chama “O Prazer
do Poema”. São os que li e que mais me comoveram e encantaram, de
autoria de outros poetas. Deve sair no fim deste ano ou no começo do
outro.
Ferreira Gullar -
Demorei porque não fazia
parte do meu projeto de vida entrar para a Academia, nunca tinha pensado
nisso. Há pessoas que têm entre seus objetivos conseguir um lugar na
ABL. Eu não. Quando me convidavam, eu falava que não tinha interesse;
isso levou anos e anos. Mas alguns amigos insistiam, insistiam, e eu
comecei a me sentir mal, um pouco arrogante, o dono do pedaço... Quando
morreu o (poeta) Ivan Junqueira (1935-2014), que era um grande amigo,
pessoa por quem eu tinha muito afeto, pensei: “Bom, já que vou ter que
entrar, vou entrar no lugar do Ivan, que é meu amigo, uma cadeira que me
honra.”
Istoé -
Como está se sentindo eleito?
Ferreira Gullar -
A posse é em dezembro. Se
aceitei me candidatar é porque vou aceitar o convívio na Academia. Tenho
muitos amigos lá, e nada tenho contra. Evidentemente, sou bastante
ocupado, nem sempre estarei lá. Mas o compromisso que tenho que assumir
assumirei. Pretendo frequentar e cumprir com a minha obrigação.
Istoé -
A governadora do
Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), vai oferecer o fardão, como é praxe, já
que o sr. é maranhense. O sr. se sente confortável, já que o Maranhão é
o Estado com maior número de miseráveis do País?
Ferreira Gullar -
O Sarney foi meu colega de
juventude, nós temos a mesma idade praticamente e fazemos parte da
geração que mudou a literatura maranhense, que renovou. Mais tarde,
conheci a Roseana, muito cordial, gentil. Eu não vivo no Maranhão, eu
vivo no Rio. Mal tomo conhecimento disso, não estou envolvido com a
política do Maranhão, faço questão de não me envolver nisso. Acho o
Sarney uma pessoa afetuosa, gentil. Fez uma carreira política que o
levou até a Presidência da República, certamente por isso também.
Istoé -
O sr. começou sua militância política no Maranhão?
Ferreira Gullar -
Não. Eu entrei para o
Partido Comunista por causa do golpe militar (1964) porque eu sabia que
ia lutar contra aquele regime que estava surgindo, e não ia lutar
sozinho. Depois, aconteceu comigo o que aconteceu com muita gente; fui
preso e exilado.
Istoé -
Como se define politicamente hoje?
Ferreira Gullar -
Eu acho que, hoje, essas
denominações de direita e esquerda se tornaram bastante precárias, já
não têm mais a nitidez que tinham na época em que a gente estava lutando
pela reforma agrária, etc., o que resultou no golpe militar. Mas, com o
fim do socialismo real, o fim da União Soviética e o fato de hoje a
China e a Rússia serem, de fato, capitalistas, é uma teimosia o cara se
prender a essa ideologia que não deu certo. É um sistema que fracassou.
Querer a sociedade justa e a igualdade entre as pessoas é uma coisa
muito correta. Agora, a maneira como isso se transforma em função
administrativa está errada, não dá certo. O capitalismo, que é o regime
da exploração, se baseia na iniciativa privada e a cada momento milhões
de pessoas criam empresas. Isso é uma força produtiva muito grande. Mas
não pode comparar isso a seis burocratas dizendo como o país deve
funcionar, como é que a economia deve ser.
Istoé -
A sociedade justa é definitivamente uma utopia?
Ferreira Gullar -
A sociedade justa deve
continuar sendo o objetivo de todas as pessoas de boa-fé, honestas e
solidárias com os outros. O que eu digo é que aquela tentativa não deu
certo, mas não quer dizer que não seja possível. Acho que tem de
continuar buscando o caminho. O que não pode, realmente, é ter um
sujeito que ganha US$ 1 milhão a cada cinco minutos e outro que ganha
US$ 500 por mês. Não dá, né?
Istoé -
O sr. tem um filho com esquizofrenia. O que acha do uso medicinal da maconha para tratamento de doenças como essa?
Ferreira Gullar -
Meu filho hoje vive
normalmente com os remédios que são resultado de pesquisas durante
décadas e décadas. Funcionam muito bem. Agora, isso é a minha opinião.
Hoje, qualquer opinião contrária a coisas dessa natureza é tachada de
preconceito. Se de fato a maconha tem qualidades medicinais, e pode ser,
não sou médico para dizer que não, acho certo usar. Não sou contra o
uso medicinal da planta. Mas dizer que a maconha é inofensiva para ser
usada como divertimento eu acho perigoso. Para parte das pessoas não é
alucinógena, mas para parte das pessoas é um risco grande. Elas perdem o
controle e podem ser levadas a fazer coisas graves. Sem falar que a
maconha pode ser a porta para outras drogas pesadas.
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