quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ACLECIVAM SOARES EM CARTA ABERTA AO PAI ALCIDES

Aclecivam recebe o abraço do pai Alcides por ocasião da formatura do curso de Markting

O jornalista Aclecivan Soares, editor do Jornal Central, posta em seu site aclecivam.com.br  um texto tipo carta aberta alusiva ao seu pai Alcides Soares da Silva, falecido recentemente. O conteúdo de expressivos momentos emocionais, relembram valores da infância, adolescência e a insubstituível imagem paterna.  

O jornalista consternado e comovido, mesmo assim, emocionam seus leitores durante a leitura. Mensagens, telefonemas e fluidos positivos estão sendo encaminhados ao amigo Aclecivam e com certeza a perda será amenizada pela corrente com bons sentimentos de seus milhares de leitores em todo o Rio Grande do Norte.

CARTA/ARTIGO DE ACLECIVAM SOARES:

Papai, qualquer dia eu volto a te encontrar!  

Casa de taipa. Levantar cedo, tirar lenha, campinar, bater corrente, plantar, limpar de enxada, tirar mancambira, cortar, dar de comer ao gado, tirar o leite, apanhar algodão e arrancar tôco, também conhecido por brocar. Carregar um galão de água do barreiro que ficava do outro lado da BR-304 para encher o pote. O coador era um pano branco, feito de saco de açúcar por mamãe para não passar os martelos.

Lembro-me de tudo isso papai. Daquela nossa casinha de taipa no Sítio Espinheirinho de onde o senhor nos deixou, vindo para Mossoró para trabalhar na Esam, na vacaria, tirar leite e alimentar as vacas, coisa que o senhor aprendeu e gostava de fazer.

Na casinha, ficou mamãe (Cícera Áurea), meu irmão (Aribanaldo) e eu para realizar aquela sua mesma missão, tirar mancambira, alimentar o gado, tirar leite, trazer as ovelhas para o curral…
Quase um ano depois, nos mudamos para uma casa no Alto de São Manoel, de Cinete, esposa do meu tio Luiz, de onde todos os dias cedinho o senhor saia em sua bicicleta até a vacaria da Esam.

Eu e meu irmão passamos a estudar na escola Padre Dehon, vinha da Escola Isolada Sítio Espinheiro, onde tinha como professora Lurdinha, esposa do meu tio João Braz. Ela que se dedicou para ensinar e educar muita gente no Espinheiro e comunidades adjacentes.

Na escola Padre Dehon foi onde aprendi a ler, depois de uma vergonha que passei, quando na lousa (era papai, aquele tempo era lousa), a professora colocou a palavra urubu e um colega ao lado querendo me ajudar disse que a palavra era algo que voava, e eu disse que era avião, o que provocou riso de todos na classe.
Só que neste mesmo ano, na segunda série, papai, eu aprendi a ler, diferente do senhor e de vários irmãos que não tiveram oportunidade de estudar.

Do Alto de São Manoel nos mudamos para o bairro Costa e Silva, onde com seu esforço comprou uma casa, vizinho a Manoel Galdinho que trabalhava com o senhor. Eu e meu irmão continuávamos estudando no Padre Dehon e via a pé por uma estrada carroçável, ao lado do Rio Mossoró, onde existiam muitas olarias e numa destas aprendi a bater tijolo.

Lá, papai, no Costa e Silva, foi onde a nossa família aumentou, nascendo Alex Fabiano onde vi dar seus primeiros passos. Foi lá que comecei a ir para a Esam com o senhor, na garupa de sua bicicleta e bem depois numa moto, conquista de seu suor.

Sua nova conquista foi comprar uma residência no conjunto Liberdade I, para onde nos transferimos. Sua vida era sempre a mesma, ou seja, de casa para Esam e vice-versa.
Neste bairro, eu fui estudar na escola no Padre Sátiro e depois aqui mesmo vizinho no José Martins de Vasconcelos, onde conclui meus estudos.

O senhor, papai, continuava sua luta na vacaria da Esam, mas já buscando melhorar ainda de vida, e com sua curiosidade e louco por animais, ajudava aos veterinários da época, que eu me lembro, doutor Emanoel e Paulo Cisneiro.

Pouco tempo depois o senhor era auxiliar de veterinário. Ganhou uma legião de amigos. Que até confesso, meu querido velho, é de causar inveja. Os alunos do curso de veterinária e agronomia, dois cursos mais procurados antigamente, acredito papai, são gratos até hoje ao senhor, assim como muitos que hoje estão cursando e outros que se formaram recentemente.

Sabe de uma coisa papai? O senhor foi homenageado por várias e várias turmas concluintes, isso é sinal que o senhor conquistou esses alunos com seu jeito bom e sua paciência de ajudar. Agora, mesmo sabendo das homenagens, que foram várias, este teu jeito, que é idêntico ao meu, se o senhor tiver ido participar de duas foi muito, pois sei que este seu jeito, de homem do campo, que dorme cedo para acordar cedinho, não gostava de sair à noite.

E sabe da melhor? O senhor foi homenageado por mais uma turma concluinte na última sexta-feira, 4, um dia a pós o senhor voltar de férias. O senhor sabe disse, tenho certeza, mas não foi lá na homenagem. Eu sei por que não foi. Era seu jeito, era envergonhado.

O senhor não quis esperar a homenagem do sábado, 5, onde uma turma do curso de veterinária lhe rendeu, mais uma turma, meu velho, homenagens e na ocasião o senhor não se fazia presente. Sendo que desta vez, os alunos tiveram que ficar parados, em silêncio, pois o senhor não estava mais com vida. Por que, papai?
Não papai, não irei te questionar, pois nunca fiz isso, assim como o senhor não me fazia. Aliás, me questionou algumas vezes, se eu estava sendo ameaçado, depois de ficar sabendo por um grande amigo seu, seu primo Freitas, que o senhor o chamava de Nogueira, da Polícia Rodoviária Federal, com quem o senhor durante alguns anos criou gado, pois não aguentava ficar distante do cheiro de um curral.

E lembro papai, que o senhor dizia: ande certo, faça as coisas corretas, se quiser algo consiga com honestidade, procure evitar essas ameaças. Eu lhe dizia: infelizmente as ameaças são devido à profissão que escolhi papai, que agrada a uns e desagrada a uma quantidade bem maior, que é ser jornalista, mas que estando certo não temo em dizer a verdade.

Ah, papai, quero lhe dizer que o senhor também tem um grande amigo, que eu não sabia que é o médico veterinário Barreto. Ele ficou sempre perto de você, já pela madrugada do domingo, 6, ele nos contava das suas brincadeiras, do seu jeito, que muitos dizem, as “cachorradas” que fazia, são as mesmas que faço.

Como disse papai, herdei muitas coisas do senhor. Vou até dizer que mesmo sentindo uma dor enorme, não sei se maior do que a que te levou a preferir nos deixar, brinquei com dois irmãos seus: tio Antônio e Mundinho e até disse: se ele estivesse aqui e não ali, eu tenho certeza que ele já tinha ‘cutucando’ um de vocês e olhava sério como se nada tivesse feito. Pois papai era assim.

Sim papai, quero dizer mais uma coisa, que nem sei se vai ficar com raiva de mim, mas senti que o senhor não era apenas um auxiliar de veterinário, era um verdadeiro professor, o mestre de vários e vários alunos da hoje Ufersa. Digo-lhe isso papai, porque, assim como o senhor (olhe mais uma coincidência, papai) eu sou muito de ouvir e não de falar, ouvi muitos alunos da Ufersa lhe fazendo elogios, inclusive que hoje estavam formados e só tinha a te agradecer por aquela formatura. É tanto, que de três pessoas homenageadas duas delas iam ser escolhidas, já o teu nome era certeza.

Nunca procurei saber, mas tenho a mais absoluta certeza papai, que o senhor não tinha inimigos. Funcionários, ex-funcionários, alunos, ex-alunos, professores da Ufersa, não encontro um que diga que o senhor era sequer feio. O que ouvi, e isso não é nada demais a não ser um tratamento carinhoso, foi Barreto e vários amigos deles, e acredito serem também do senhor, lhe chamar de Véi, até mesmo para lhe conquistar a fazer aquela saborosa buchada para eles degustarem.

É meu querido, meu velho, eu aqui fico lembrando os seus copos de café (quando retornava do seu terreno onde criava umas vacas, porque o senhor é daqueles que saiu do sítio, mas o sítio nunca saiu do senhor, tanto que seu programa de rádio preferido era o de J. Nilson, na rádio Difusora), onde dava alguns goles e derramava o restante e logo em seguida colocava mais café e tomava mais alguns goles e jogava o restante novamente. Sem falar que sentávamos na calçada e nada falávamos, como se uma barreira existisse entre nós. Mais eu sei perfeitamente o que era isso, pois assim também sou. O senhor não gostava de “se abrir”, de contar seus problemas, e eu, mais uma vez sou o espelho que reflete essas tuas coisas. Ora, eu lembro que o senhor se quer me deu um abraço na minha formatura.

Por falar nisso, lembro que assim que comecei a cursar Direito, todo santo dia o senhor me perguntava: – e aí, está perto de terminar? Papai, porque o senhor não me esperou? Mas fique tranquilo e tenha certeza que este seu sonho não desceu junto na sepultura, muito pelo contrário, minhas energias e força de vontade foram renovadas e eu vou fazê-lo bater palmas, onde o senhor estiver, pois logo estarei sendo um bacharel em Direito, e a Deus querer, um advogado.

E não se preocupe papai, porque seus ensinamentos estão guardados, e eu sempre te disse que para conseguir meus objetivos, não iria passar por cima de ninguém e que irei procurar como sempre procurei, ser correto. Fazer mais uma vez papai, o espelho refletir.

Fique com Deus, descanse em paz, por aqui, vou caminhar, trilhar, ao lado de mamãe, irmãos, meus filhos e esposa. Não precisa se preocupar com nada, sua missão foi cumprida aqui na terra, nós só não queríamos ter te perdido desta forma, entender, assim como aceitar será difícil, mas vamos seguindo em frente, a nossa história, contada aqui lá no início, é de família simples, humilde, de gente que gosta de trabalhar e isso nós vamos continuar honrando, em seu nome, pois seu trabalho foi perfeito, e mesmo depois da sua morte, ele vai permanecer.

Agora papai, permita-me concluir, tenho muito ainda o que falar, mas o senhor precisa descansar. Em seu nome, de um homem simples, trabalhador, honesto, justo e bom, permita-me, também, pedir a toda sua família e amigos, principalmente aos que o senhor conquistou na Ufersa durante vários anos (sim, o senhor ia se aposentar agora dia 17 de fevereiro), para que reze por você e por nós, que aqui vamos enfrentar uma vida sem um amigo, que foi e sempre será que era você, seu Alcides Soares da Silva.

Como na Canção da América, de Milton Nascimento - Papai, qualquer dia, amigo, eu volto, a te encontrar.
Beijos papai, de todos nós, familiares e amigos.

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