Demóstenes Torres*
De repente o Rio de Janeiro acordou maravilhado. Operou-se um rito de passagem onde foram invertidas as percepções sobre a realidade. As polícias que tinham conceitos de corruptas e violentas caíram nas graças da sociedade como instituição eficaz. O Estado que possuía a imagem da negligência virou entreposto de pleno atendimento administrativo. Até o coitadismo com que eram tratados os bandidos por conta das causas sociais da violência foi dissolvido pelos aplausos às cenas de bandos de marginais encurralados, presos e mortos.
Perfeitamente, mas agora o que se espera da ação espetacular que deixou a população carioca feliz e os políticos vaidosos é o passo seguinte em forma de uma política de segurança pública para o Brasil. O País precisa acolher essa oportunidade valiosa de apoio popular para iniciar a grande reforma das instituições policiais e do sistema penitenciário. Ficou provado que o problema do tráfico é um assunto essencialmente de polícia e para que a ofensiva se torne permanente e não um espasmo de pirotecnia é imprescindível a liderança da União para se construir um novo modelo policial.
O certo seria partimos logo para uma transição motivada na unificação das corporações civis e militares, hoje completamente divorciadas em seus objetivos estratégicos. A iniciativa iria permitir a edificação de uma polícia de resultados, moralmente purificada, e com capacidade para otimizar os recursos disponíveis de logística e inteligência. Desde a redemocratização do País, parte influente da sociedade e do Estado acreditou que essas instituições eram um instrumento da repressão e por isso deveriam ser desacreditadas.
Tanto desprestígio político colaborou em muito para que se prosperassem as bandas podres nas corporações, especialmente alimentadas pela associação ao tráfico de drogas. Nos últimos 30 anos se operou no Brasil grande aberração institucional. Justamente quando o comércio ilegal de entorpecentes adquiria formação de crime organizado, desmoralizamos as polícias, promovemos sistemático afrouxamento da legislação penal e deixamos ruir o sistema penitenciário. O resultado é o estado criminal que ameaça a democracia brasileira.
Imaginava-se até a ação espetacular do último fim de semana que a polícia era sinônimo de desmando. Hoje, até o pessoal engajado na sociologia criminal toma o seu chopinho em Ipanema a filosofar sobre a utilidade das corporações. Não quero estragar o entusiasmo de ninguém, só não podemos nos deixar iludir com a ideia de que há hoje uma “pacificação” da criminalidade violenta. Agora é que são elas! Para que haja reversão da tendência consolidada de banditismo, será determinante a capacidade dos governos de formular uma política de segurança pública para o País.
Estou a falar não só de uma estratégia nacional de combate ao crime, como de investimentos pesados para que se materializem as boas ideias. O governo federal mostrou disposição ao emprestar apoio à ofensiva ocorrida no Rio de Janeiro e decidiu tratar da matéria no âmbito externo por intermédio da formulação de um plano sulamericano de combate às drogas. Porque não fez antes é a pergunta que não quer se calar, uma vez que é prontamente sabido que vieram do Paraguai as 40 toneladas de maconha apreendidas na operação, bem como grande parte do armamento pesado recolhido dos marginais.
De igual forma, qualquer soldado que acabou de sentar praça na PM tem conhecimento de que a Bolívia, o Peru e a Colômbia são os grandes fornecedores da cocaína que infecciona a sociedade brasileira e faz do território nacional corredor de transporte da droga para a Europa e a África. É bonito praticar a comiseração com os pobres povos andinos por meio do perdão a dívidas, da aceitação do esbulho de empresas brasileiras e da tolerância a mandaletes autoritários. Agora, o Brasil precisa exercitar a sua liderança no subcontinente e exigir ações ostensivas de combate à produção e ao comércio ilegal de entorpecentes nos países de influência.
De acordo com o Relatório Mundial sobre as Drogas 2010 elaborado pela ONU, nos últimos nove anos a produção de cocaína na Bolívia aumentou 112% e o próprio presidente do país, a quem o governo brasileiro dá suporte, é cocaleiro profissional. Positivamente, assim não dá! Repito: não podemos deixar que a oportunidade seja desperdiçada. Normalmente o brasileiro só se entusiasma com os valores nacionais em época de Copa de Mundo, o chamado patriotismo da bola. Desta vez conseguimos a união do País em relação à necessidade de se reverter a crise de segurança pública, sentimento que já está sendo chamado de patriotismo da bala.
(*) - Demóstenes Torres, é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)
Nenhum comentário:
Postar um comentário