Assim que
avistou o marido chegando ao portão, Denise saiu rumo à entrada da casa feito
quem iria perder o casamento. Mal deu tempo de entrar com carro na garagem, lá
estava ela gritando, ainda de pijama, descabelada e com olheiras profundas que
denunciavam a noite mal dormida.
—Já não
era sem tempo, Amaral. Pensei que você não voltaria mais da Bolívia, estava
desesperada pensando no que teria que fazer.
— Calma,
mulher! Sossegue! Falei que iria e que voltaria com o carro, não falei? Alguma
vez te faltei com a palavra?
— Não, de
jeito nenhum, é que…
— “É
que”, nada! Larga de bobagem e me deixe entrar, santo Deus! — disse Amaral,
seguindo para a parte interior da casa, resmungando — Já não bastasse as mais
de quatorze horas viajando sem parar e ainda tenho que ficar aqui discutindo.
Quando
notou que sequer o jantar estava encaminhado, Amaral quase teve um ataque, mas
diante de tudo que ocorrera nas últimas horas, achou que poderia estar
exagerando nas reações e se calou. Foi direto para o banho.
— Como
foi lá? O carro estava no lugar que eles falaram?
— Estava,
parece incrível, mas estava, Denise! — disse Amaral enquanto se enxugava.
Duas
semanas antes o casal havia saído para jantar como faziam habitualmente às
quintas-feiras. Naquela noite resolveram que deveriam conhecer um lugar novo,
para variar um pouco.
Ao
chegarem a porta do Mori, um badalado restaurante japonês que fica na
Consolação, não quiseram esperar a fila de carros que havia para o
estacionamento ao lado e deixaram o carro com o manobrista que aguardava na
porta.
— Mesa
pra dois? — Perguntou a hostess.
— Sim.
— Estamos
com lista de espera de uma hora…
— Então
voltamos outro dia. — respondeu Amaral — Você pode pedir ao manobrista para
buscar meu carro, por favor?
— Não
estou entendendo, senhor.
— Qual
parte você não entendeu? A parte onde peço ou a que o manobrista deve ir buscar
meu carro para que eu possa ir embora?
— Senhor,
não temos manobrista.
Imóvel
por alguns instantes, Amaral começou a se dar conta do que tinha acontecido.
Furtaram seu carro e o próprio entregara as chaves diretamente para o bandido.
Não
adiantou chamar o gerente e esbravejar. Nada mais, além de ir até a delegacia,
poderia ser feito. Tentou localizar o carro pelo rastreador, mas as quadrilhas
de furto de veículos aprenderam a bloquear o sinal.
No dia
seguinte, com o boletim de ocorrência à mão, foi até o restaurante para falar
com dono do local. Seu carro não tinha seguro e Amaral não queria ficar no
prejuízo.
Sob a
ameaça de ir à imprensa denunciar o ocorrido, conseguiu ser ressarcido sem
muito esforço. Seria uma péssima publicidade para o restaurante que o ocorrido
viesse à tona.
Poucos
dias após o furto, eis que acontece algo surpreendente. Cerca de duas da manhã
o telefone acorda Amaral. Do outro lado da linha uma voz diz:
— Quer
ter seu carro de volta?
— Quem é
que está falando? — intrigado, questionou Amaral.
— Isso
não interessa. Quer ter seu carro de volta, eu te dou o endereço e você vai
buscar. Se não quiser, basta desligar o telefone.
Não
desligou. A misteriosa voz descreveu o endereço e todos os detalhes de onde o
carro estava. Deixou claro que Amaral deveria levar uma chave reserva e não
comentar com ninguém.
Quando
perguntou o porquê daquela dica, a pessoa do outro lado desligou, mas avisou
que o carro só ficaria lá por mais quarenta e oito horas.
Denise
achou uma loucura, afinal, já haviam sido ressarcidos pelo carro, não faria
sentido algum ir atrás do que roubaram. E o local não era dos melhores:
Bolívia.
Contrariando
todos os argumentos racionais, Amaral não quis saber. Era sua chance de fazer
um carro virar dois. Pegou um avião e foi até a divisa da Bolívia com o Brasil.
O carro
estava lá, do jeito que a voz explicou, intacto. Ressabiado, Amaral ficou
olhando de longe, na tentativa de identificar se alguém estaria apenas
esperando sua chegada.
Passadas
cerca de duas horas, chamou um rapaz e lhe ofereceu um trocado para que o mesmo
abrisse o carro para ele. Deu uma desculpa qualquer de que o controle estava
com mau funcionamento e ficou de longe aguardando para ver se vinha alguém.
Como
ninguém apareceu, entrou e voltou para o Brasil, incrédulo com toda aquela
história.
Na manhã
seguinte de seu retorno, por volta das dez horas, escuta a campainha tocar e
vai abrir a porta.
Receoso
por quem poderia ser, afinal, tinha acabado de voltar da Bolívia e os
criminosos tinham o seu telefone residencial, se veste e pede um momento.
Quando tenta ver pela janela quem estaria chamando Amaral toma um susto, sua
casa estava cercada por policiais federais.
Assim que
abre a porta recebe voz de prisão, sob a mira de uma automática 45.
— Polícia
federal! A casa caiu! O senhor está preso! Coloque as mãos, devagar, atrás da
nuca, entrelace os dedos e saia da casa. — disse o policial que estava no
comando da operação.
— Preso,
eu? Por quê?
— Aí,
Pascoal! Temos outro inocente aqui! — ironizou o policial, dirigindo-se ao
colega — Tráfico internacional de drogas! Estamos monitorando você desde a sua
saída da Bolívia, sabemos que há drogas escondidas em seu veículo.
Enquanto
Amaral era preso pela própria ganância, naquele mesmo momento um grande
carregamento de drogas passava pela divisa impunemente.
F: Manoel Vitorino
F: Manoel Vitorino
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