quinta-feira, 11 de julho de 2013

O MALANDRO



Assim que avistou o marido chegando ao portão, Denise saiu rumo à entrada da casa feito quem iria perder o casamento. Mal deu tempo de entrar com carro na garagem, lá estava ela gritando, ainda de pijama, descabelada e com olheiras profundas que denunciavam a noite mal dormida.
—Já não era sem tempo, Amaral. Pensei que você não voltaria mais da Bolívia, estava desesperada pensando no que teria que fazer.
— Calma, mulher! Sossegue! Falei que iria e que voltaria com o carro, não falei? Alguma vez te faltei com a palavra?
— Não, de jeito nenhum, é que…
— “É que”, nada! Larga de bobagem e me deixe entrar, santo Deus! — disse Amaral, seguindo para a parte interior da casa, resmungando — Já não bastasse as mais de quatorze horas viajando sem parar e ainda tenho que ficar aqui discutindo.
Quando notou que sequer o jantar estava encaminhado, Amaral quase teve um ataque, mas diante de tudo que ocorrera nas últimas horas, achou que poderia estar exagerando nas reações e se calou. Foi direto para o banho.
— Como foi lá? O carro estava no lugar que eles falaram?
— Estava, parece incrível, mas estava, Denise! — disse Amaral enquanto se enxugava.
Duas semanas antes o casal havia saído para jantar como faziam habitualmente às quintas-feiras. Naquela noite resolveram que deveriam conhecer um lugar novo, para variar um pouco.
Ao chegarem a porta do Mori, um badalado restaurante japonês que fica na Consolação, não quiseram esperar a fila de carros que havia para o estacionamento ao lado e deixaram o carro com o manobrista que aguardava na porta.
— Mesa pra dois? — Perguntou a hostess.
— Sim.
— Estamos com lista de espera de uma hora…
— Então voltamos outro dia. — respondeu Amaral — Você pode pedir ao manobrista para buscar meu carro, por favor?
— Não estou entendendo, senhor.
— Qual parte você não entendeu? A parte onde peço ou a que o manobrista deve ir buscar meu carro para que eu possa ir embora?
— Senhor, não temos manobrista.
Imóvel por alguns instantes, Amaral começou a se dar conta do que tinha acontecido. Furtaram seu carro e o próprio entregara as chaves diretamente para o bandido.
Não adiantou chamar o gerente e esbravejar. Nada mais, além de ir até a delegacia, poderia ser feito. Tentou localizar o carro pelo rastreador, mas as quadrilhas de furto de veículos aprenderam a bloquear o sinal.
No dia seguinte, com o boletim de ocorrência à mão, foi até o restaurante para falar com dono do local. Seu carro não tinha seguro e Amaral não queria ficar no prejuízo.
Sob a ameaça de ir à imprensa denunciar o ocorrido, conseguiu ser ressarcido sem muito esforço. Seria uma péssima publicidade para o restaurante que o ocorrido viesse à tona.
Poucos dias após o furto, eis que acontece algo surpreendente. Cerca de duas da manhã o telefone acorda Amaral. Do outro lado da linha uma voz diz:
— Quer ter seu carro de volta?
— Quem é que está falando? — intrigado, questionou Amaral.
— Isso não interessa. Quer ter seu carro de volta, eu te dou o endereço e você vai buscar. Se não quiser, basta desligar o telefone.
Não desligou. A misteriosa voz descreveu o endereço e todos os detalhes de onde o carro estava. Deixou claro que Amaral deveria levar uma chave reserva e não comentar com ninguém.
Quando perguntou o porquê daquela dica, a pessoa do outro lado desligou, mas avisou que o carro só ficaria lá por mais quarenta e oito horas.
Denise achou uma loucura, afinal, já haviam sido ressarcidos pelo carro, não faria sentido algum ir atrás do que roubaram. E o local não era dos melhores: Bolívia.
Contrariando todos os argumentos racionais, Amaral não quis saber. Era sua chance de fazer um carro virar dois. Pegou um avião e foi até a divisa da Bolívia com o Brasil.
O carro estava lá, do jeito que a voz explicou, intacto. Ressabiado, Amaral ficou olhando de longe, na tentativa de identificar se alguém estaria apenas esperando sua chegada.
Passadas cerca de duas horas, chamou um rapaz e lhe ofereceu um trocado para que o mesmo abrisse o carro para ele. Deu uma desculpa qualquer de que o controle estava com mau funcionamento e ficou de longe aguardando para ver se vinha alguém.
Como ninguém apareceu, entrou e voltou para o Brasil, incrédulo com toda aquela história.
Na manhã seguinte de seu retorno, por volta das dez horas, escuta a campainha tocar e vai abrir a porta.
Receoso por quem poderia ser, afinal, tinha acabado de voltar da Bolívia e os criminosos tinham o seu telefone residencial, se veste e pede um momento. Quando tenta ver pela janela quem estaria chamando Amaral toma um susto, sua casa estava cercada por policiais federais.
Assim que abre a porta recebe voz de prisão, sob a mira de uma automática 45.
— Polícia federal! A casa caiu! O senhor está preso! Coloque as mãos, devagar, atrás da nuca, entrelace os dedos e saia da casa. — disse o policial que estava no comando da operação.
— Preso, eu? Por quê?
— Aí, Pascoal! Temos outro inocente aqui! — ironizou o policial, dirigindo-se ao colega — Tráfico internacional de drogas! Estamos monitorando você desde a sua saída da Bolívia, sabemos que há drogas escondidas em seu veículo.
Enquanto Amaral era preso pela própria ganância, naquele mesmo momento um grande carregamento de drogas passava pela divisa impunemente.
F: Manoel Vitorino

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