NAQUELA MESA
Após mais de dez anos trabalhando na mesma empresa, Roberto não se sentia mais parte dela, passava dias olhando para o teto, se perguntando por que não fez outra coisa da vida quando teve a oportunidade.
Após mais de dez anos trabalhando na mesma empresa, Roberto não se sentia mais parte dela, passava dias olhando para o teto, se perguntando por que não fez outra coisa da vida quando teve a oportunidade.
NAQUELA MESA - Histórias contadas na mesa de um bar
Antes tivesse contrariado seu pai e, ao invés de
ter ido fazer uma faculdade, ter virado militar. Já que não podia pensar, que
fosse pago para fazer isso, para não pensar.
Mesmo que não tivesse levantado uma caneta
durante seu dia de trabalho, chegava em casa exausto. O conflito psicológico
exigia que tomasse uma decisão, não dava mais para continuar naquela situação.
Roberto tinha uma mania que seus colegas
categorizavam como insuportável: ele precisava bater as metas de seu
departamento.
Não que fosse bitolado em trabalho, longe disso!
Era o seu horror ao ter que trabalhar mais para corrigir algo errado que o
motivava para atingir a perfeição. Sua preguiça era tanta que se alguém
revisasse o dicionário incluiria o Roberto como sinônimo de preguiçoso. E creia,
ele não acharia ruim.
Diante de tudo que estava ao seu redor se viu
obrigado a quebrar o protocolo e ir direto ao presidente da empresa,
atravessando seu diretor. Assim que o encontrou passando por um dos corredores
fez uma abordagem:
— Sr. Ivan, bom dia. Gostaria de uns minutos de
sua atenção. É possível? — questionou em um tom quase imperceptível.
— Claro que é, Ernesto! Para que tanta frescura?
Para um colaborador que está conosco há tanto tempo, sempre haverei de ter
tempo. Podemos falar na minha sala.
Enquanto caminhava, Roberto pensava se estava
fazendo a coisa certa, se demitir naquele momento poderia ser um problema, o
mercado não andava muito generoso e ele tinha bocas para alimentar. Talvez
fosse melhor deixar tudo como estava e seguir com a vida.
— Sente-se, Ernesto! Café, chá, água? — Antes de
ouvir a resposta, Ivan interfonou para a secretária e pediu os três.
— Conte-me, a que devo essa honra? Sempre o vejo
trabalhando e é fato que é um dos melhores profissionais que há nessa empresa.
Gente como você, Ernesto, não se encontra em qualquer lugar!
— Presidente…
— Não me chame assim, Ernesto, me chame de Ivan!
Já não somos estranhos, não é mesmo?
— Ivan, eu vim até aqui por um motivo, vim pedir
demissão.
— Não acredito, Ernesto! Por que você está me
dizendo isso? Tem algo que eu possa fazer por você? Uma promoção lhe
contentaria?
— Presidente, ou melhor dizendo, Ivan, você já
fez isso. Promoveu o Gabriel para meu diretor há dois anos para o cargo que
poderia ter sido meu… Na época a justificativa foi que o Gabriel era mais
social do que eu, mas a verdade é que ele sempre foi um grande puxa-saco do
senhor.
— Você tem razão! O Gabriel nunca teve o seu
talento, mas é uma pessoa boníssima e está comigo há muitos anos, mas podemos
fazer o seguinte, peço para que ele te passe os melhores projetos daqui e com
isso, mesmo sem o título, você será beneficiado. O que acha, Ernesto?
— Ivan, os melhores projetos sempre chegam em
mim, o problema é que assim que eu resolvo todos os pormenores que existem e as
contas passam a dar lucro, eles são repassados para a Judite, a outra gerente.
Talvez o fato dela ser amante dele tenha algo a ver com isso, mas é claro que
possa ser apenas uma grande coincidência.
— Ernesto, pare com isso, deixe de pensar
pequeno! Uma amante é o problema? Arrumamos uma para você também! Abrimos agora
um cargo para assistente e você fez o processo seletivo. Assim não há chance de
dar errado.
— Não é isso… Não quero uma amante!
— Hoje você está difícil de contentar, hein
Ernesto! Já entendi, você quer mais tempo para a esposa, não é? Pedirei para a
Soraia lhe passar alguns dos nossos talentos, assim você, com uma equipe
melhor, trabalhará menos e poderá curtir mais a família.
— Ivan, não quero desmerecer a oferta, mas a
Soraia, que por sinal, é amiga da sua esposa, é a pior gerente de recursos
humanos que eu já vi. Não faz uma só contratação que preste, provavelmente não
faz nem ideia do que seja o trabalho dela. Mas, não podemos culpar a moça, ela
até que é esforçada, mas quem faz nutrição, não poderia mesmo se dar bem nessa
área, não acha?
— Ernesto, agora você está me magoando… Temos
excelentes profissionais, que foram contratados por ela, veja, por exemplo, o
Marquinhos e o Fernando.
— O Marquinhos é o sobrinho dela, chega todo dia
mais tarde do que deveria e sai mais cedo, para você ter uma ideia do quanto
ele trabalha, sequer sabe a senha do seu computador. Já o Fernando até que
trabalha, mas somos uma agência de publicidade, não precisaríamos de um
profissional de rádio para nada.
— Mas, Ernesto, o Fernando é o sujeito mais boa
praça dessa empresa, mantém o clima lá em cima e é ele quem organiza todas as
festas e eventos do pessoal, um sujeito assim não pode ser demitido.
— Inclusive, Ivan, esse é outro ponto que queria
mesmo falar. A cultura da “não-demissão” que essa empresa possui acabará com
ela em pouco tempo. Com isso sempre ficamos com os piores profissionais
enquanto os melhores pedem demissão e reforçam os concorrentes.
— Ernesto, esquece essas bobagens, te dou um
aumento, uma amante e uma equipe toda reformulada. Topas?
— Impossível, prefiro sair. A propósito, se o
senhor, em dez anos, ainda não aprendeu que meu nome é Roberto, é o maior sinal
de que aqui não é o meu lugar.
Subitamente Roberto levantou, nem estendeu a mão
ao presidente e foi embora batendo a porta na cara de seu ex-patrão. Mas antes
disso a empresa inteira pode ouvir em alto e bom som “Ernesto é o caralho!”.
F: Marcelo Vitorino
Nenhum comentário:
Postar um comentário