RIO - O general Luiz Eduardo Rocha
Paiva acha que a Comissão da Verdade, para não ser “parcial e maniqueísta”, tem
que convocar também os que participaram de ações armadas, direta ou
indiretamente. Não hesita em perguntar até se a presidente Dilma Rousseff não
tem que depor:
Leia toda a entrevista clicando em Mais informações na linha abaixo
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- Ela era da VAR-Palmares, que lançou o carro-bomba que matou o soldado Mario Kozel Filho. A comissão não vai chamá-la, por quê?
Rocha Paiva se refere ao atentado
ocorrido em 26 de junho de 1968 no Quartel-General do II Exército, em São
Paulo. Até 2007 Rocha Paiva ocupava posição de destaque no Exército. Foi
comandante da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército e secretário-geral
do Exército. Abaixo, trechos da entrevista:
O GLOBO: Por que o senhor é contra a Comissão da Verdade?
ROCHA PAIVA: Eu sou contra
a Comissão da Verdade, agora não adianta ser contra. Ela vai existir. Era
contra no momento em que ela pretende apurar a memória histórica do país. Isso
é trabalho para pesquisadores e para historiadores e não para uma comissão, que
eu vejo como uma comissão chapa branca. Ela busca a reconciliação nacional
depois de 30 anos, e não há mais cisão nenhuma, que tenha ficado do regime militar,
inclusive porque as Forças Armadas são instituições da mais alta credibilidade
no país. Então, não vejo a necessidade. Acho que se há alguma coisa a
investigar é só usar a Policia Federal e,
com vontade política, a presidente tem autoridade pra ir até onde ela quiser,
respeitada a Lei de Anistia. Eu fiz uma análise da lei da Comissão Nacional da
Verdade. E eu vejo que essa lei não é
imparcial. Esse facciosismo e o provável maniqueísmo do seu relatório a gente pode ver a
partir dos objetivos.
Por que o senhor acha que é parcial?
ROCHA PAIVA: O objetivo é
promover o esclarecimento de torturas, mortes, desaparecimentos forçados e
ocultação de cadáveres. Por que não
promover também o esclarecimento de atentados terroristas e sequestros de
pessoas e aviões e de execução e justiçamento até de companheiros da luta
armada que tentavam desertar? Ora, a pessoa pode alegar, na comissão, que isso não é objeto da lei,
mas tinha que ser objeto da lei. O outro objetivo da lei é tornar públicos os
locais e instituições e instâncias onde ocorreram violações de direitos
humanos. Ora, por que não também tornar públicos os locais de cativeiros de
sequestrados, os locais de atentados terroristas e as áreas de homizio da luta
armada, dos grupos armados dos partidos ilegais que conspiravam não para trazer
liberdade para o país e democracia, mas para implantar aqui uma ditadura
totalitária comunista?
O argumento de quem defende a lei é de que quem esteve contra o regime foi punido. Foi preso, foi torturado, foi exilado. E o Estado exercia o poder. E exerceu o poder contra o cidadão de forma autoritária, de forma abusiva. O que o senhor acha desse argumento?
ROCHA PAIVA: Eu acho que
ele não cola. Pelo seguinte: nem todos os assassinos, terroristas, nem todos os
sequestradores são conhecidos. Alguns que executaram a ação, sim, são
conhecidos. Outros que planejaram ou estiveram no apoio logístico e no financiamento,
esses não são conhecidos. Então, eles deveriam ser conhecidos também.
Por que os militares quando tinham todo o poder não fizeram essa apuração?
ROCHA PAIVA: Às vezes, não
havia condições de fazer. Não houve possibilidade de fazer. porque se estava
combatendo grupos armados que estavam executando operações. Veja bem uma coisa:
a lei estabelece que as atividades da
comissão não terão caráter persecutório e jurisdicional. No entanto, o ministro
Ayres de Britto, do STF reconheceu, em parecer, à revelia da Lei da Anistia, o
direito daqueles que se sentiram vítimas do regime militar moverem ações civis
indenizatórias contra ex-agentes do Estado. Ora, se houve anistia, quem tem que
indenizar, como já está fazendo, é o Estado. No momento que o ministro Ayres
Britto abre esse precedente, quem for ouvido na comissão da Verdade poderá estar produzindo provas
contra si próprio. Agora, ele abriu um precedente também e aí é que eu digo que
a Comissão da Verdade, embora não esteja disposta a investigar os crimes da luta armada, se uma
pessoa foi vítima de uma ação da luta armada, e ficou com sequelas, ela também
tem o direito, até baseada no parecer do ministro Ayres de Britto, de mover
ações civis indenizatórias contra esses guerrilheiros, terroristas, que numa ação armada deixaram
uma vítima ou sequela em alguém. Eles terão direito, se não for investigado o
que foi feito pela luta armada, essas pessoas não saberão quem são os responsáveis por suas sequelas. E
a Justiça é igual para todos.
O senhor não acha que é preciso saber o que aconteceu com as 183 pessoas que desapareceram, entre eles pessoas que não tinham nenhum envolvimento com um órgão clandestino. Isso sem levar em conta que o que era legal e o que era ilegal era estabelecido por um governo que não foi eleito, era uma ditadura. Portanto a ilegalidade de alguns partidos é questionável. O ex-deputado Rubens Paiva sumiu dentro de uma guarnição do Exército. Ele foi preso, levado para o Terceiro Comar, e depois, de lá, para um quartel da Policia do Exército, onde foi visto pela última vez. A família há 41 anos busca informação e não tem. O Exército não tem a obrigação de dar informação?
ROCHA PAIVA: Como já
falei, a presidente da República, comandante suprema das Forças Armadas, tem
autoridade para abrir uma investigação. Ressalvada a Lei da Anistia, ela tem
autoridade para abrir uma investigação. Por que ela não faz? Não sei. Não precisa uma
comissão da verdade, que só vai investigar um lado, para isso. Veja bem: é
emblemático o caso Rubens Paiva. Por que? O homem foi deputado, das classes
favorecidas e todos se preocupam com ele e com Stuart Angel, também. Agora, por
que os crimes do PC do B no Araguaia, crime como por exemplo o da perseguição e
morte de mateiros, que eram
guias das forças legais. Teve um que foi torturado e assassinado na frente da mãe e do pai.
Eles cortaram a orelha do rapaz na frente da mãe. O menino urrava de dor, a mãe desmaiou.
Os guerrilheiros do Araguaia foram quase todos mortos, exceto um ou outro.
ROCHA PAIVA: Nem todos. E
quem os comandava, que estava em São Paulo a dois mil quilômetros de distância,
no bem-bom? Não vamos saber
quem foram? Quem deu a ordem pra matar esse rapaz? Por que isso não é
emblemático? Porque ele era um zé-ninguém.
Por que também não se apura quem
deu ordem no PC do B para que as mulheres da guerrilha que engravidassem
tivessem que abortar na região. Eles deram essa ordem.
O senhor sabe de torturas dentro do Exército? Chegou a ver?
ROCHA PAIVA: Não...eu não
vi tortura dentro do Exército.
O senhor nunca soube de tortura dentro do Exército?
ROCHA PAIVA: Ah, para
saber basta a senhora ir às livrarias, comprar uns livros, a senhora vai ver um
rol de casos de
tortura.
O senhor não acha que isso é um desvio?
ROCHA PAIVA: Isso é um
desvio, ninguém está dizendo que não é um desvio. Agora, não foi anistiado? Não
é desvio também aqueles grupos armados revolucionários da esquerda, que seguiam
linha maoísta, linha soviética, linha cubana, que queriam implantar aqui uma
ditadura nos moldes das soviética, chinesa e cubana, que são as responsáveis
pelos maiores crimes contra a Humanidade no século passado? Então, esses grupos
que queriam se tornar Estado, usavam de atentados terroristas e tortura, com
que moral esse grupo condena as violações no outro grupo?
O senhor acha então que está justificada a tortura dentro da instalação militar...
ROCHA PAIVA: Não. Eu não
estou dizendo que está justificado. Estou mostrando o seguinte: que existiu uma
luta, que foram cometidos desvios pelos dois lados, só que houve uma anistia.
Um lado foi punido. A presidente Dilma Rousseff ficou presa três anos e foi submetida a tortura.
ROCHA PAIVA: Sim, ela diz
que foi submetida a torturas. A senhora tem certeza?
Ah, eu acredito nela...
ROCHA PAIVA: ah, e eu não
sei. A senhora quer ver uma coisa? Veja bem.: quero um exemplo histórico de uma
guerrilha revolucionária marxista, leninista, maoísta que não tenha usado
violência, atentados terroristas e violado direitos humanos. Eu quero que me
mostre um caso histórico de uma reação a essa esquerda revolucionária que tenha
tido um desfecho tão pouco traumático como no Brasil. Porque na realidade, no
Brasil, o governo e a oposição legal queriam a redemocratização do país. Então,
no governo e na Arena era a redemocratização gradual e segura.
Demorou 25 anos...
ROCHA PAIVA: Exato. Dez
anos de atraso. Dez anos de atraso, por causa da luta armada.
O senhor acha que a sua opinião é compartilhada pelos que estão na ativa?
ROCHA PAIVA: A opinião?
Qual opinião? Eu não estou justificando a tortura. Tortura é crime como o
terrorismo é crime. Sou contra endeusar terrorista, sequestrador porque estavam
combatendo pela liberdade, porque não estavam. E satanizar o torturador. O
torturador é um criminoso que vê a pessoa a quem ele está fazendo mal e ele
causa mal a essa pessoa que é inimiga dele, em seus ideais. O terrorista bota
bomba no cinema, no saguão do aeroporto e mata mulheres, crianças e até
mulheres grávidas.
Como a bomba do Riocentro que foi levada pelo Exército?
ROCHA PAIVA: A bomba do
Riocentro, o caso foi reaberto em 1999 em pleno regime democrático de direito.
Foram apontados cinco responsáveis. O Juiz mandou arquivar por falta de provas.
Explodiu no colo do sargento, general
ROCHA PAIVA: Quem é que
pode dizer o que aconteceu?
Todos os indícios. O senhor acha
então que o Capitão Wilson, o sargento não estavam levando a bomba?
ROCHA PAIVA: O processo
foi arquivado por falta de provas. A senhora acha que foram eles?
Sim, claro!
ROCHA PAIVA: Eu não tenho
provas.
O senhor acha que essa sua opinião, essas suas opiniões, por exemplo contra a comissão da Verdade, são compartilhadas por pessoas que estão na ativa?
ROCHA PAIVA: Olha, eu não
tenho dúvida de que é geral. Agora, a gente tem que ver o seguinte: o que um
militar na ativa pode falar? Ele não pode falar contra o governo. Agora, digo
para a senhora o seguinte: chefes militares cultuam hierarquia, disciplina e também
justiça. Ante a iminência de uma injustiça que vai ser perpetrada contra seus
subordinados, ele tem obrigação moral e funcional de - com franqueza,
disciplina, sem alarde e dentro da
lei - levar a sua posição a seus comandantes superiores. Se eles não fizerem
isso, eles não são dignos de serem chefes. E o que está na iminência de
acontecer? Com a comissão da Verdade, aqueles agentes do Estado, tenham ou não torturado - porque
o que a Comissão da Verdade quer é expor a cara de todo mundo que tenha
participado dos órgãos de inteligência, de informação; eles querem expor todo
mundo - então, tenham ou não
torturado. vai ser execrado. Eles têm obrigação moral de...esse pessoal entrou
ali, muita gente combateu por ideal e se sacrificou. Se alguns cometeram
deslizes, foram anistiados, assim como foram anistiados os terroristas,
sequestradores e assassinos.
O que o senhor acha que os comandantes militares têm que fazer a respeito?
ROCHA PAIVA: Eles não têm
que sair pra imprensa pra falar nada. O que acho que eles estão fazendo - eu
não posso dizer, estou dizendo pela formação que eu tive - eles estão levando
essa preocupação à presidente da República. Porque eu acho que o homem livre é
escravo da sua consciência e a consciência é juíza perene de sua vida. Ele não
é escravo de cargos e posições. Ele arrisca cargos e posições por aquilo que ele acredita que é seu ideal.
Dentro da lei.
Dentro de uma instituição tão respeitável quanto o Exército Brasileiro houve tortura. Há várias provas. E o senhor mesmo disse que é desvio. Se é desvio, o Exército não deveria ser o primeiro a querer que fossem punidos para que tudo aquilo ficasse em pratos limpos?
ROCHA PAIVA: Olha, o que
passou e foi anistiado não pode ser retocado. Veja bem: anistia não é um
instrumento jurídico. É um instrumento político. No Brasil, a sociedade apoiou
o governo no combate à
luta armada. Anistia não foi para reconciliar a nação. A nação estava do lado
do governo senão nós teríamos hoje talvez umas Farc aqui, ou um Sendero
Luminoso. Para que veio a anistia? Veio para neutralizar radicas à esquerda e à
direita, que poderiam prejudicar a redemocratização.
General, anistia estabelece que não pode haver punição. Mas ela não impede que se busque a informação. E não é isso que a Comissão da Verdade está fazendo?
ROCHA PAIVA: Nunca no
Brasil, na História do Brasil, se precisou de Comissão da Verdade para saber o
que aconteceu na ditadura Vargas. Historiadores fazem isso. Se quiser
investigar crimes que tenham ocorrido, independente de anistia, faz-se uma investigação
policial. A presidente chama a Policia Federal, o Ministério Público, quem quer que seja, e manda
investigar.
Toda a vez que se pede aos comandantes militares documentos, eles dizem que os documentos foram destruídos. E aí será que não tem documentos?
ROCHA PAIVA: Agora, vamos
ver o seguinte: existem normas de controle de documentos. sigilosos. Então,
você pega e tem um inquérito. Os presos ficavam em organizações de Doi-Codi.
Não eram tanto dentro de quarteis. Alguns ficavam dentro de quarteis. Eu mesmo
quando cheguei a aspirante tinha preso no quartel que eu cheguei. Era preso
normal. Levava a vida dele normal.
Levavam a vida normal não, estavam presos.
ROCHA PAIVA: Sim, vida de
preso normal....
A Comissão quer buscar informação. Não é importante buscar a informação?
ROCHA PAIVA: Ah, sim. A
senhora falou dos documentos. O que acontece? Faz-se um inquérito no quartel.
Terminado aquele inquérito, ele vai para o STM. Chegando no STM, aquele
inquérito está lá arquivado. No
quartel, fica uma cópia. Essa cópia, a partir de determinado momento, é destruída.
E esses inquéritos foram feios até 1979. Nenhum documento confidencial passa de
...naquele tempo eram dez anos.
Então, como saber o que aconteceu com Rubens Paiva, por exemplo?
ROCHA PAIVA: Se foi feito
algum documento...
Ele morreu dentro de um estabelecimento militar. Ninguém tem registro?
ROCHA PAIVA: A senhora
está dizendo, que ele morreu dentro de um estabelecimento militar. Eu não sei.
A senhora tem certeza?
Ele foi visto lá pela última vez.
ROCHA PAIVA: Foi visto.
Não estou dizendo que é o caso dele, mas tem gente que hoje em dia é
considerado desaparecido, porque estava na luta armada, queria sair da luta
armada, estava preso, recebeu documentação e mudou de vida. Então, alguns
desaparecidos não querem nem aparecer. Um apareceu, que estava lá na Noruega,
quando soube que ia receber dinheiro. Era um desaparecido que apareceu. Dona
Miriam, veja bem...
No caso do Rubens Paiva, foi aberto um IPM para tentar descobrir que foi que aconteceu. Foi em 1986, mas ele foi arquivado sem que houvesse uma investigação séria. Portanto, o caminho de se fazer apenas a investigação às vezes não dá certo. Não é melhor criar uma comissão, como outros países fizeram?
ROCHA PAIVA: Os outros
países fizeram comissões da verdade dentro de outros quadros. Veja bem: a comissão da verdade emblemática é a
da África do Sul, certo? Ela é feita antes de conceder a anistia. E pra receber
a anistia, tinha que
passar na comissão. E eram anistiados os dois lados., que confessassem seus
crimes e relacionassem seus crimes a motivações políticas. Os dois lados foram anistiados. O Pacto de
Moncloa, na Espanha, também anistiou os dois lados. Eu não vejo necessidade,
depois de 30 anos, é só investigação policial. Porque chamar lá alguém pra ser
ouvido: Ainda mais, veja bem: se eu sou um ex-agente do Estado e sou chamado na
comissão da verdade, sabendo que alguém pode mover uma ação civil indenizatória
contra a minha pessoa, estando eu anistiado, eu vou chegar lá e vou dizer que
não sei de nada. Eu vou falar por quê? Qual a motivação que eu tenho? Se eu
abrir a minha boca, vou ser penalizado. Depois de 30 anos? Então isso não tem
explicação...
O senhor acha justo que os torturadores não sejam conhecidos, não sejam punidos, sequer se informe sobre os crimes que eles praticaram ou que tenham que dar explicação sobre pessoas que desapareceram quando estavam sob a custódia do Estado?
ROCHA PAIVA: Faça-se uma
investigação, e não comissão da verdade. Eu não vejo porque eles têm que
aparecer agora, porque eles estão anistiados. Por que não tem que aparecer
também quem sequestrou, quem planejou? Se uma autoridade, hoje, tiver participado; até a presidente
Dilma,tiver participado, seja diretamente ou indiretamente, que aí é
co-responsável, de um crime que tenha deixado sequelas com vítimas, vai haver a comissão da
verdade? A presidente vai aparecer? É isso que a senhora quer depois de 30 anos?
O senhor não acha que o país tem que olhar para esse passado?
ROCHA PAIVA: Então vamos
olhar para os dois lados do passado. Se a presidente, se o senhor Franklin
Martins e gente que a gente não sabe que participou do planejamento. Da
execução, a gente já sabe, mas do planejamento e do apoio não. Quem é que participou
dos comitês dos julgamentos que resultaram no justiçamento, assassinato dos
próprios companheiros, quem participou? Por que eu não posso saber? Eu só vou
ter que saber quem for agente do Estado? Eu não acho isso justo...
General, os senhores tiveram 25 anos de poder. Eles eram seus inimigos. Se vocês não têm a informação, é porque a informação não existe. Ou vocês não foram capazes de apurar.
ROCHA PAIVA: A informação
pode ser, a senhora não quer que apure? Então, eu quero que apure o outro lado
também. A senhora está sendo maniqueísta, a senhora está sendo facciosa já que
vai haver a comissão da verdade, veja bem - eu sou contra a existência - mas
agora que vai haver que investigue os dois lados. Quem eram os terroristas
mataram no Araguaia?
E quem matou as pessoas, os guerrilheiros que estavam no Araguaia?
ROCHA PAIVA: Vamos botar
na comissão da verdade todos. Os dois lados. A senhora está insistindo que se
faça um lado. Estou dizendo: vamos os dois. A senhora está sendo facciosa, eu
não. Eu estou dizendo que eu quero os dois lados. A senhora está dizendo que é um só.
Os militares assumiram o poder e usaram o Estado contra as pessoas. Ninguém jamais foi preso, ninguém jamais foi condenado, o Exército nunca reconheceu quem torturou. O senhor não acha que quando se faz isso não pode ficar claro o conluio do Exército com torturadores?
ROCHA PAIVA: Quem é que
vai afirmar quem torturou? Outra coisa: a senhora falou que o Exército atuava
contra as pessoas. Não. O Estado, e não era só o Exército, o Estado, seus órgãos
policiais atuaram, não foi contra pessoas, tanto que a população apoiou
quem? O governo. A população não apoiou a luta armada. Eles viviam homiziados,
escondidos, porque, se aparecessem na rua, às vezes, eram denunciados. Tinham
que estar todos camuflados, escondidos. Por que? Porque a população apoiou,
apoiou fortemente o Estado contra a luta armada. A senhora fala em ditadura,
tortura, me diga uma democracia, um
organismo internacional que tenha reconhecido qualquer grupo da luta armada
como estando defendendo
a liberdade, ou representando parte do povo brasileiro. Não tem. Eu fui
observador militar da ONU em El Salvador e a FMLN foi reconhecida; os
representantes dos vietcongs, nas conversações em Paris, existiam. E era uma
luta armada. Agora, no Brasil, não houve nenhum grupo. A senhora fala em ditadura, eu falo em
regime autoritário. Regime autoritário, Hannah Arendt diferenciou bem de regime
totalitário. Regime autoritário limita a liberdade individual, limita a
liberdade de expressão, limita a liberdade política. Mas no Brasil nós tínhamos
Grupo Opinião de Teatro, tínhamos peças teatrais que condenavam a ditadura,
tínhamos músicas de protesto, tínhamos festivais da canção, tínhamos o Pasquim,
tinhamos o Febeapá.
No Pasquim todo mundo foi preso!
ROCHA PAIVA: É o que digo,
limitada a liberdade. Não deixaram de existir. O Pasquim deixou de existir
depois do regime militar. Então, eles existiam. As livrarias vendiam livros de
Marx, Engels, Lênin, Trotsky. Que ditadura totalitária é essa? Existia uma oposição
que disputava eleição, ganhava e perdia eleição, que tinha espaço nos jornais.
Eu via Ulysses Guimarães sempre falando e criticando. Que ditadura totalitária
é essa?
Então, o senhor concorda com os 25 anos de regime militar...
ROCHA PAIVA: Eu concordo
com os 25 anos, sem dúvida! Podia ser talvez menos um pouco.
O senhor começou a sua carreira exatamente no ano em que aumentou a repressão.
ROCHA PAIVA: Aumentou a
luta armada! Aumentou a luta armada. A repressão é consequência da luta armada.
Com o AI-5, o regime se aprofundou e aumentou, portanto, os casos de desaparecidos e os casos de mortos, o caso Rubens Paiva, por exemplo, acontece em 71. O senhor fez a carreira nessa época, nunca ouviu sequer falar que havia tortura dentro dos...
ROCHA PAIVA: Miriam,
sempre se falou. Agora, me diz uma coisa: quando é que não houve tortura no
Brasil? Houve tortura em Getúlio? Houve. Houve tortura no tempo da democracia?
Houve. Houve tortura no regime militar? Houve. Está havendo tortura agora?
Está. O Brasil é condenado na ONU, ou é acusado na ONU, por violação de
direitos humanos por agentes do Estado, do Estado democrático de direito. A
senhora quer fazer um cálculo comigo? A
senhora pega o livro "Brasil, nunca mais". Arquidiocese de São Paulo.
Insuspeita. Arquidiocese de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Fizeram
pesquisas nos arquivos do STM. Levantaram, antes de 1995, portanto antes da lei de
indenização Bolsa-ditadura. Levantaram 1.918 torturados. Se a senhora dividir
isso por dez anos, e eu só estou considerando o tempo da luta armada, porque se
for 20 anos é muito
menos. Dez anos de luta armada, doze meses no ano e trinta dias, a senhora vai
ter menos de um torturado por dia. Aí, a senhora vai para depois de 1995, o
livro do Chievenatto, em 2004, aí já tinha saído a Bolsa-ditadura. Portanto,
todo mundo que entrou em Doi-Codi, tá certo?, Até pra prestar um depoimento,
por ser testemunha está dizendo que foi torturado. Aí esse número de 1918,
depois que sai o Bolsa-ditadura, sobe pra 20 mil torturados. Se a senhora fizer
essa mesma conta que eu fiz, a senhora vai chegar a seis torturados por dia.
Então uma média de meio torturado por dia, se é que se pode se dizer assim, e
seis. A senhora vai ter em torno de quatro torturados por dia por conta da luta
armada. Miriam, se nós formos, agora, em qualquer presídio nesse Brasil
inteiro, vamos encontrar muito mais gente sendo torturada agora. Por que
ninguém se sensibiliza com isso? Sabe por quê? Por que quem está sendo preso
agora, está sendo torturado não defende ideia marxista-leninista, não é da
classe média, não é filho de deputado, não é artista. A esquerda radical,
revanchista, hipócrita e incoerente se solidariza com esse pessoal do outro
tempo. E olham que eram quatro por dia, no máximo, tá certo? Eu não estou
tirando a hediondez do crime! Eu estou mostrando que isso está acontecendo
agora, e ninguém se incomoda. Esses que estão sendo agora torturados, não vão
ser indenizados, como foram aqueles que foram presos no tempo do regime
militar. Então, isso é injustiça.
O senhor não acha que é mais inteligente da parte das Forças Armadas admitirem que houve o erro? Até para preservar o nome da instituição, dizer que a instituição, como um todo não concordava com os desvios que aconteceram no Doi-Codi, na Polícia do Exército, em todos esses aparelhos de tortura instalados dentro das organizações ?
ROCHA PAIVA: Eu não vejo
por que pedir perdão,
se não houve nenhuma cisão social remanescente do regime militar. Quando saiu o
regime militar, que começaram a fazer pesquisas, as Forças Armadas já estavam
no topo das instituições de maior credibilidade do país, acima até da imprensa.
Então, por que essa instituição precisa pedir perdão?
Porque é crime general, porque é crime.
ROCHA PAIVA: Não, não. Foi
anistiado, foi anistiado, eu insisto nisso. Foi anistiado, então parou aí.
Vamos investigar o que aconteceu? Vamos. Mas está anistiado. Não tem que pedir
perdão coisa nenhuma. É interessante a hipocrisia da nossa sociedade. Bate
palma e aplaude o "Tropa de Elite". Eu acho hipócrita. Eu faço a
pergunta assim, de chofre: se um filho seu ou um neto seu for sequestrado, e a
policia botar a mão no sequestrador que sabe onde está o esconderijo dele e aí?
... A senhora demorou a responder.
Estou esperando até onde o senhor vai
...
ROCHA PAIVA: A senhora
demorou a responder. Então o que eu digo é hipocrisia.
Não estou aqui para responder. Estou
para fazer perguntas. Eu pergunto, o senhor responde.
ROCHA PAIVA: Não é um
programa de debate?
Não. Eu não estou debatendo com o
senhor. Estou apresentando questões que são colocadas por pessoas que discordam
do senhor...
ROCHA PAIVA: Eu estou
respondendo. Eu estou, num programa de entrevistas, fazendo uma pergunta. Não
pode? Não pode?
Estou querendo saber sobre o
Exército. Se não é melhor ele admitir que houve desvio, houve tortura. E,
portanto, ele não torturará mais...
ROCHA PAIVA: Ô,
Miriam...Vai na livraria, você, lógico que já leu...Dezenas de livros que
contam sobre tortura. Precisa admitir? Precisa admitir? Tá lá escrito. Quem
quiser, que acredite. Quem não quiser, não acredite. Certo? Então. Tá escrito.
Não precisa admitir. A sociedade cobraria das Forças Armadas, se ela não
tivesse colocada as Forças Armadas no topo das instituições de credibilidade. Então,
se houve violações naquele momento, a sociedade já perdoou. Se não ela não
estaria lá no topo das instituições de credibilidade, acima até da imprensa...
Eu acho que agora é um outro
Exército...
ROCHA PAIVA: Não. É o
mesmo.
É o mesmo Exército que torturou?
ROCHA PAIVA: A senhora que
está falando em tortura. Eu estou dizendo o seguinte: Quem evoluiu, foi o país.
E o Exército evoluiu junto do país. Todos os presidentes militares falavam de
redemocratização e admitiram que era um Estado de exceção. Eu listo para a senhora 16 crises
político-militares envolvendo militar, partido político, o Exército dividido.
De 22 a 64, existem 16 crises militares. Aí vem 1964, revolução de 31 de março.
Luta armada. Dez anos depois, redemocratização e abertura. Me diga uma crise político-militar que
teve no país depois disso. Por que? Porque a Revolução se encarregou de separar o militar da
política, por isso automaticamente reforçou as instituições do país, os poderes
nacionais e nunca mais houve uma crise político-militar no país. Então, um dos
grandes feitos do regime militar foi afastar
as Forças Armadas da política e isso é uma das causas da nossa democracia estar
estável hoje.
Eu queria que o senhor fizesse uma reflexão sobre o fato de que, nos outros países, houve punição, prisão de torturador e até responsabilidade de comandantes, como, por exemplo, o general Videla, que foi presidente da Argentina, ou Pinochet, que foi presidente do Chile. Eu queria que o senhor falasse sobre isso. Por que eles usaram esse caminho e nós, não?
ROCHA PAIVA: Primeiramente,
nos três países, tanto Argentina, Uruguai e Chile, eles cometeram uma falha. A
anistia lá não foi ampla, geral e irrestrita. A anistia lá foi para os agentes
do Estado. Então, com isso, a anistia se esvaziou. Só que no Uruguai fizeram um
referendo e o povo uruguaio foi a favor da manutenção da anistia. Na Argentina
e no Chile, a luta armada foi muito mais violenta que no país, do que no
Brasil. Então, são condições diferentes, são países diferentes. São países com a
veia espanhola muito radical e muito açodada e são condições diferentes do
país. Cada país escolhe o seu caminho.
O que o senhor acha da Operação
Condor que unia os países do Cone Sul, inclusive o Brasil, em troca de
prisioneiros, em troca de informação, em troca de técnicas de tortura? E também
o que acha da operação Oban, que uniu líderes empresariais com as
Forças Armadas?
ROCHA PAIVA: A senhora
está falando em convênio de países para enfrentar problemas comuns? Tinha um
convênio entre os países da cortina de ferro para enfrentar problemas comuns.
Os Estados Unidos têm
a Otan. Hoje, os Estados Unidos têm convênios com vários países para a questão
do terrorismo. Os grupos de esquerda armados, revolucionários, tinham ligações
internacionais também; então, é mais que natural, essas ligações internacionais
para troca de informações, certo? Para trocar informações operacionais e também
da parte doutrinária.
O senhor acha que a Operação Condor
foi apenas um acordo entre os países? O senhor acha normal?
ROCHA PAIVA: Ah, sim, isso
existe hoje, isso existe hoje. Nós temos reuniões bilaterais de inteligência,
de doutrina. E não é só reunião bilateral no campo militar, não. Tem relação
bilateral no campo da indústria, do comércio, certo? Isso é normal entre os países.
E eles enfrentaram problemas comuns. Os grupos armados de esquerda no Brasil,
eles também tinham ligações internacionais, só que isso aí ninguém fala.
E a Oban?
ROCHA PAIVA: A Oban eu não
tenho conhecimento. Eu sei que...Eu não sei nem em que ano começou.
Sinceramente,se eu soubesse eu diria.
O Vladimir Herzog era diretor de uma
emissora, não era guerrilheiro. Ele foi se apresentar para depor e morreu.
ROCHA PAIVA: E quem disse
que ele foi morto pelos agentes do Estado? Isso há controvérsias. Há uma controvérsia
quando a isso aí. Quem disse que ele foi morto pelos agentes do Estado? Ninguém
pode afirmar.
ROCHA PAIVA: Se não foram
os militares que mataram Vladimir Herzog, por que os militares que estavam lá
naquele momento não aparecem na comissão da Verdade?
ROCHA PAIVA: Existe um
inquérito e está escrito no inquérito. Chame os oficiais que estão ali. Se é
que tinha algum oficial, se não era gente da Policia Federal, da Policia
Militar ou da Policia Civil. Chame a pessoa e consulte. Agora, chame também
quem pode ter mandado matar ou quem pode ter dado a ordem para assassinar o
capitão Chandler, assassinado na frente do seu filho. Chegaram na cabeça dele e
deram mais de vinte tiros na cabeça dele. Isso na frente do filho dele. Quem
fez, a gente sabe. Mas quem planejou e apoiou. A gente não sabe, precisa saber.
Foi a ALN. Quem era da ALN? O nosso senador Aloysio. O senador que foi relator
da Comissão da Verdade, do projeto de lei. Aloysio Nunes Ferreira. Ele era da
ALN. Será que ele não tem alguma coisa? Vamos chamar o senador na Comissão da
Verdade? Sim. Por que não? Vamos chamar a presidente Dilma? Ela era da
VAR-Palmares. E a VAR-Palmares foi a que lançou o carro-bomba que matou o
soldado Mario Kozel Filho. Ela era da parte de apoio. Será que ela participou do
apoio a essa operação? A comissão da Verdade não vai chamá-la, por quê?
Entende? Minha posição é essa.
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