domingo, 16 de setembro de 2012

RASGANDO SENTIMENTOS



Voltando-se as origens, deparamos com situações prazerosas, lembranças embutidas, dissimuladas por novos conceitos e costumes adquiridos. Nada faz esquecer a memória quando momentos surgem, lembrança viva, sentimentos formados, agora revistos como valores insubstituíveis.  

          Sempre que volto a Residência*, afloram verdadeiros sentimentos de amor. Naquele local, ao lado da estrada, está a casa grande, outrora, a pensão de Dona Maura, durante 14 anos, de 1952 a 1966. Platéia sempre presente, vitrine dos viajantes, cozinha sem geladeira, o descanso, comida simples, saudável, à vontade, sem medidas, sem tara. Era a mesa posta, sem cardápio  ao consumidor. Enquanto atiçavam as brasas, o alpendre, oferecia quase sempre a mesma paisagem: outro caminhão que passava, um animal na estrada, um vizinho que chegava em busca permanente pela novidade vinda da Paraíba, do Ceará ou das capitais. A silhueta da serra grande de Santana ficava imóvel como se fosse um paredão a deter os anseios e a limitar os curiosos. A diferença chegava pela espera paciente, pelo inicio do inverno, pelo período de poucos dias com raras chuvas por ano.  Mesmo assim, são muitas, muitas lembranças de amor.
          Zé Lucas, um menino franzino, esperto e curioso. Imaginava quase tudo ao mesmo tempo ante a expectativa de ir para a capital. Naquela tarde de Setembro de 1962 subiu naquele caminhão para ir dormir em Angicos, logo cedo pegaria o trem pra Natal. Seus olhos castanhos, pele branca, de calça mescla, camisa de caqui feita por Dona Nenên, dois dentes já cariados. Mesmo assim, era puro sorriso, a felicidade em pessoa.
          Naquele momento pensou nos amigos que deixava, até do inseparável cachorro Serrote que o acompanhava na hora de juntar as cabras. Naquele dia, o cão latiu diferente, adivinhando ser o último adeus. Uma lágrima molhou a face de Zé Lucas, a lembrança de Ivana, seu primeiro amor o fez pensar ...  rosto umedecido pela mão sem jeito que tentava encobrir. Foi a doce lágrima de puro amor adolescente que a existência nunca deixou esquecer. Foi a lembrança marcante, revivida 50 anos depois. Aos 67 quando voltava, descendo do carro, agora dono daquela mesma casa, olhar em volta a reviver sentimentos e lembranças. Relembrar aqueles momentos parecia voltar o tempo, um mundo diferente, novos conceitos e novos valores.
          Novos e lindos sorrisos não substituem os traços simples de Ivana. Sua pureza, seus gestos meigos, copiados e colados por tantas outras Marias! As marcas do tempo, já definem seus rostos. Agora mais falante, disfarçando em trejeitos, não esconde "Luquinha" aquele amor de adolescente. Outros sentimentos por lágrimas brotaram quando avistou novamente Ivana! ... menina, moça, mulher, mãe e avó! Ivana, tentou dizer alguma coisa, não conseguia falar. Seus olhos brilhando disseram tudo. Seu sorriso era o mesmo, compreensivo, doce e meigo.
          O tempo não foi companheiro. A ausência separa os corpos, envelhecendo-os. Naquele reencontro o abraço foi rejuvenescedor. Como estavam lindas aquelas rugas, os cabelos brancos, o olhar sereno, a razão sobre o emocional. Naquele instante senti o valor da idade, o diferencial pela emoção, tirando as conclusões: O amor é eterno, os sentimentos são renováveis, a juventude é passageira, a idade aproxima o corpo da alma, o diálogo convence, a paz se constrói, a felicidade se semeia, a vida continua, os dias se prolongam, um só mês marca estações, os anos agora são ampliados por décadas e cada um com sua história de vida que sejam comentários, cartilha, cordéis, livros ou conversas de alpendre.

(*) -  Residência
A comunidade de Residência fica situada no cruzamento da RN-041 com a RN-042 - Trechos respectivos da RN-041: da RN-304 a Santana do Matos e da RN-042: de Cerro Corá a Angicos. A 300 metros deste cruzamento, no sentido Residência Cerro Corá foi construida na década de 30 a maior residência em alvenaria da localidade. Servia de escritório, almoxarifado e instalações de apoio aos engenheiros do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) quando inspecionavam os serviços de manutenção das estradas, além de uma casa em anexo onde residia um funcionário. Residência do DNOCS passou a ser uma referência na região, cuja a maior concentração de casas na comunidade era em frente e que posteriormente deu origem ao nome Residência, o povoado.  Anos depois, as famílias se mudaram, as casas foram destruidas, resistindo apenas duas.  Uma nova concentração de casas a 300 metros do local, exatamente no cruzamento, chamado de Triângulo, passou a ser o referencial como Residência. Em 2011, o local antigo, citado como Residência volta a receber construções em alvenaria de pessoas proprietárias na região pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida. Passando por  este local a RN-042 ainda é um elo de ligação entre a Paraiba e o Ceará, unindo Cerro Corá na chapada da Serra de Santana ao vale do Rio Açu. inexplicavelmente continua o referido trecho de Cerro Corá a Angicos, cerca de 60 km em barro, apesar de pontes e bueiros estarem em perfeitas condições para recebimento de asfalto. Comenta-se na região que um importante político norteriograndense verificou junto aos órgãos responsáveis em Brasília que significativas verbas já teriam sido enviadas para asfaltamento daquele trecho, tal surpresa, como herança política, é casa de maribondo.

Um comentário:

  1. Como é fácil viajar no tempo basta ler um texto perfeito como este, "Rasgando Sentimentos", vivi minha infância, minha adolescência e juventude no meio de sonhos reais que meus pais proporcionaram na minha formação básica vivíamos nossas férias em Lages, Iandú, Genipabu, Barra de Maxaranguape, por aí... vivi brincadeiras de crianças, tica bandeira, tô no poço, anel, garrafão, ah! Como é bom ler um texto tão rico como este, o coração abre, a garganta fecha, os olhos brilham e os dentes se revelam num sorriso solitário diante do computador!

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