terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O QUE SERÁ (À FLOR DA PELE) - CRÔNICA

                      NAQUELA MESA  - HISTÓRIAS ADORADAS POR QUEM MORRE DE CIUMES 
CRÔNICA
— Como é que é, você não vai me dar os parabéns, Rodrigo?
Sabe quando uma pergunta desce “quadrado”, do tamanho de um paralelepípedo? Rodrigo teve mais ou menos essa sensação ao ouvir a notícia de que seu melhor amigo iria se casar.
O problema em si não era o casamento, mas sim com quem. Silmara era e sempre fora um porto seguro para Rodrigo, em todos os momentos de sua vida desde que a conhecera era a ela a quem recorria.
Criou-se entre os dois uma espécie de vínculo que nunca fora muito bem definido, aquela coisa de paixão mal resolvida. Se chegaram a consumar? Sim, muitas e muitas vezes, mas Silmara sempre fez questão de manter a relação mais, digamos, íntima, em segredo. Insistia com Rodrigo para que ninguém soubesse ou deixaria de vê-lo no mesmo instante.
Um dia o coitado ainda tentou argumentar:
— Silmara, meu amor, você sabe que lhe tenho em alta conta, não é?
Com o maior olhar de cinismo ela apenas acenou que sim com a cabeça e lhe fez um pouco de cafuné. Para bom entendedor aquilo era a mesma coisa que um pedido de silêncio. Mesmo assim, naquele dia o rapaz insistiu.
— Não faz assim… Já estamos saindo há algum tempo e acho que está mais do que na hora de você aceitar namorar comigo. — E mesmo assistindo a cara de desdém da moça, completou — Quero que você seja a minha namorada!
— Rodrigo, vou te ser muito sincera, não quero namorar. Nem com você e nem com ninguém. Não posso mentir para você e não consigo te dar exclusividade.
— Mas…
Já se mostrando visivelmente irritada, nem o deixou concluir e, elevando o tom de voz, finalizou a conversa com um ultimato:
— Podemos continuar nos vendo desse jeito ou nada feito. Separamos agora, cada um para o seu lado!
Diante dessa imposição Rodrigo não teve outro jeito a não ser recuar. Disse-lhe apenas que tudo bem e continuaram se encontrando.
Não tardou muito para que Silmara namorasse um rapaz, e na primeira vez que isso aconteceu, Rodrigo quase teve um ataque, mas ela fez questão de dizer que era apenas para passar o tempo, nada sério. Ele, mais uma vez, aceitou.
Sua tolerância aos “maus tratos” nada mais foi do que uma permissão para que novos casos acontecessem. Com o passar dos anos Silmara trocou algumas vezes de namorado e ele lá, sempre sentado no banco de reservas, como um eterno jogador de segundo tempo.
Do lado dele havia a vã esperança de que um dia ela entenderia que era com ele que deveria ficar. Mas, de todas as humilhações que já passara, dessa vez Silmara fora longe demais. Casar com seu melhor amigo e nem se dar ao trabalho de conversar com ele primeiro?
Aquilo não poderia ficar assim! O noivo que cansasse de esperar um singelo “parabéns”. Ainda atordoado com a novidade, deixou o noivo falando sozinho e tomou rumo em direção à casa de Silmara.
Como não estava muito longe, cerca de dez quadras, preferiu ir a pé, assim teria tempo de pensar no que diria quando a encontrasse. Se é que diria algo… Estava a ponto de fazer uma bobagem dado o sentimento de traição que lhe enlouquecia.
Todo mundo conhece alguma história de paixão que acabou em tragédia. Rodrigo era um sujeito calmo, calmo daqueles de dar medo. Do tipo que acumula a raiva até o limite da sanidade e depois explode em um dia de fúria. É com esses tipos que devemos ter cuidado dobrado, nunca se sabe qual será o estopim e o que acontecerá em seguida.
Chegando a residência de Silmara, deu de cara com um sujeito que estava de saída, tinha acabado de fechar o portão de ferro que dava para a rua.
Tocou a campainha. Uma, duas, cinco vezes… Até que Silmara abriu a porta e lhe pediu para que entrasse. Mal entrou, sentou-se no sofá e pediu uma dose.
— O que aconteceu, não ouviu a campainha?
— Estava no banho e não estava te esperando. Você sabe que não gosto quando aparece sem avisar!
— Quem era o sujeito que saiu daqui agorinha mesmo?
— Sujeito? De quem você está falando?
— Não se faça de besta, Silmara! Acabei de ver um homem saindo daqui, nesse instante. Moreno, alto, vestido como quem fosse dar flores à alguém.
— Ah… Já sei! Não era nada, veio procurar uma pessoa que morava aqui antes de mim. Agora, me diz, o que veio fazer aqui, assim, do nada?
— Eu já soube do casamento!
Ao sentir o que estaria por vir, Silmara pôs se em prantos. Disse que não tinha outra opção a não ser se casar, que precisava daquele casamento para sustentar a mãe que ficara doente recentemente.
Implorou para que Rodrigo entendesse a situação, não estava se casando por amor, mas por necessidade. Nada mudaria entre eles, continuariam pertencendo um ao outro.
— Tudo bem, eu aceito, mas com uma condição: quero ser o padrinho!
Em sua mente, se ela iria se casar, que ao menos ele estivesse no altar, nem que fosse apenas como padrinho. E assim foi feito, conforme a sua vontade, foi convidado para fazer par com a irmã da noiva.
Escolheu o terno como se fosse o próprio noivo, ajudou inclusive na organização do casamento, indicando as músicas e boa parte da decoração.
Eis que chega o grande dia. Marcha nupcial tocando, entram os padrinhos, o noivo e por final, a exuberante noiva. Arranjos de flores impecáveis mostravam o esmero com que aquele casamento foi tratado, não havia uma só pessoa que não reparasse neles.
O padre até que tentou ser breve, mas seu costume o traiu, já havia quase meia hora de sermão e nada da pergunta definitiva acontecer.
Rodrigo, entediado pela cerimônia, começa a reparar em todos os presentes, coisa que não tinha feito até então. Viu que quase não havia parentes do lado da noiva, e ao desviar o olhar para o lado enxergou algo que o abalou profundamente.
Levou um tempo até ter certeza de que não estava vendo coisas, mas por fim aceitou a verdade que estava em sua frente: um dos padrinhos, do lado do noivo, não era outro senão o sujeito que Silmara negara que conhecera e que viu saindo de sua casa.
Obviamente concluiu do que se tratava, ele era mais um. Mais um ator naquele teatro. O sorriso bobo com que ele olhava a noiva deixava claro que nem ali Rodrigo estava sozinho.
Diante de uma plateia muito elegante, mal esperou o padre pronunciar o famoso “Se tem alguém aqui que deseja se opor a este casamento, que se manifeste”, apenas gritou “eu”, sacou uma arma e deu um tiro na boca.
Ninguém presente entendeu o que aconteceu, mas a verdade é que Rodrigo não suportou tamanha falta de exclusividade. 
F: Marcelo Vitorino 

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