CRÔNICA
— Como é que é, você não vai me dar os parabéns, Rodrigo?
Sabe quando uma pergunta desce “quadrado”, do tamanho de um paralelepípedo?
Rodrigo teve mais ou menos essa sensação ao ouvir a notícia de que seu melhor
amigo iria se casar.
O problema em si não era o casamento, mas sim com quem. Silmara era e sempre
fora um porto seguro para Rodrigo, em todos os momentos de sua vida desde que a
conhecera era a ela a quem recorria.
Criou-se entre os dois uma espécie de vínculo que nunca fora muito bem
definido, aquela coisa de paixão mal resolvida. Se chegaram a consumar? Sim,
muitas e muitas vezes, mas Silmara sempre fez questão de manter a relação mais,
digamos, íntima, em segredo. Insistia com Rodrigo para que ninguém soubesse ou
deixaria de vê-lo no mesmo instante.
Um dia o coitado ainda tentou argumentar:
— Silmara, meu amor, você sabe que lhe tenho em alta conta, não é?
Com o maior olhar de cinismo ela apenas acenou que sim com a cabeça e lhe
fez um pouco de cafuné. Para bom entendedor aquilo era a mesma coisa que um
pedido de silêncio. Mesmo assim, naquele dia o rapaz insistiu.
— Não faz assim… Já estamos saindo há algum tempo e acho que está mais do
que na hora de você aceitar namorar comigo. — E mesmo assistindo a cara de
desdém da moça, completou — Quero que você seja a minha namorada!
— Rodrigo, vou te ser muito sincera, não quero namorar. Nem com você e nem
com ninguém. Não posso mentir para você e não consigo te dar exclusividade.
— Mas…
Já se mostrando visivelmente irritada, nem o deixou concluir e, elevando o
tom de voz, finalizou a conversa com um ultimato:
— Podemos continuar nos vendo desse jeito ou nada feito. Separamos agora,
cada um para o seu lado!
Diante dessa imposição Rodrigo não teve outro jeito a não ser recuar.
Disse-lhe apenas que tudo bem e continuaram se encontrando.
Não tardou muito para que Silmara namorasse um rapaz, e na primeira vez que
isso aconteceu, Rodrigo quase teve um ataque, mas ela fez questão de dizer que
era apenas para passar o tempo, nada sério. Ele, mais uma vez, aceitou.
Sua tolerância aos “maus tratos” nada mais foi do que uma permissão para que
novos casos acontecessem. Com o passar dos anos Silmara trocou algumas vezes de
namorado e ele lá, sempre sentado no banco de reservas, como um eterno jogador
de segundo tempo.
Do lado dele havia a vã esperança de que um dia ela entenderia que era com
ele que deveria ficar. Mas, de todas as humilhações que já passara, dessa vez
Silmara fora longe demais. Casar com seu melhor amigo e nem se dar ao trabalho
de conversar com ele primeiro?
Aquilo não poderia ficar assim! O noivo que cansasse de esperar um singelo
“parabéns”. Ainda atordoado com a novidade, deixou o noivo falando sozinho e
tomou rumo em direção à casa de Silmara.
Como não estava muito longe, cerca de dez quadras, preferiu ir a pé, assim
teria tempo de pensar no que diria quando a encontrasse. Se é que diria algo…
Estava a ponto de fazer uma bobagem dado o sentimento de traição que lhe
enlouquecia.
Todo mundo conhece alguma história de paixão que acabou em tragédia. Rodrigo
era um sujeito calmo, calmo daqueles de dar medo. Do tipo que acumula a raiva
até o limite da sanidade e depois explode em um dia de fúria. É com esses tipos
que devemos ter cuidado dobrado, nunca se sabe qual será o estopim e o que
acontecerá em seguida.
Chegando a residência de Silmara, deu de cara com um sujeito que estava de
saída, tinha acabado de fechar o portão de ferro que dava para a rua.
Tocou a campainha. Uma, duas, cinco vezes… Até que Silmara abriu a porta e
lhe pediu para que entrasse. Mal entrou, sentou-se no sofá e pediu uma dose.
— O que aconteceu, não ouviu a campainha?
— Estava no banho e não estava te esperando. Você sabe que não gosto quando
aparece sem avisar!
— Quem era o sujeito que saiu daqui agorinha mesmo?
— Sujeito? De quem você está falando?
— Não se faça de besta, Silmara! Acabei de ver um homem saindo daqui, nesse
instante. Moreno, alto, vestido como quem fosse dar flores à alguém.
— Ah… Já sei! Não era nada, veio procurar uma pessoa que morava aqui antes
de mim. Agora, me diz, o que veio fazer aqui, assim, do nada?
— Eu já soube do casamento!
Ao sentir o que estaria por vir, Silmara pôs se em prantos. Disse que não
tinha outra opção a não ser se casar, que precisava daquele casamento para
sustentar a mãe que ficara doente recentemente.
Implorou para que Rodrigo entendesse a situação, não estava se casando por
amor, mas por necessidade. Nada mudaria entre eles, continuariam pertencendo um
ao outro.
— Tudo bem, eu aceito, mas com uma condição: quero ser o padrinho!
Em sua mente, se ela iria se casar, que ao menos ele estivesse no altar, nem
que fosse apenas como padrinho. E assim foi feito, conforme a sua vontade, foi
convidado para fazer par com a irmã da noiva.
Escolheu o terno como se fosse o próprio noivo, ajudou inclusive na
organização do casamento, indicando as músicas e boa parte da decoração.
Eis que chega o grande dia. Marcha nupcial tocando, entram os padrinhos, o
noivo e por final, a exuberante noiva. Arranjos de flores impecáveis mostravam
o esmero com que aquele casamento foi tratado, não havia uma só pessoa que não
reparasse neles.
O padre até que tentou ser breve, mas seu costume o traiu, já havia quase
meia hora de sermão e nada da pergunta definitiva acontecer.
Rodrigo, entediado pela cerimônia, começa a reparar em todos os presentes,
coisa que não tinha feito até então. Viu que quase não havia parentes do lado
da noiva, e ao desviar o olhar para o lado enxergou algo que o abalou
profundamente.
Levou um tempo até ter certeza de que não estava vendo coisas, mas por fim
aceitou a verdade que estava em sua frente: um dos padrinhos, do lado do noivo,
não era outro senão o sujeito que Silmara negara que conhecera e que viu saindo
de sua casa.
Obviamente concluiu do que se tratava, ele era mais um. Mais um ator naquele
teatro. O sorriso bobo com que ele olhava a noiva deixava claro que nem ali
Rodrigo estava sozinho.
Diante de uma plateia muito elegante, mal esperou o padre pronunciar o
famoso “Se tem alguém aqui que deseja se opor a este casamento, que se
manifeste”, apenas gritou “eu”, sacou uma arma e deu um tiro na boca.
Ninguém presente entendeu o que aconteceu, mas a verdade é que Rodrigo não
suportou tamanha falta de exclusividade.
F: Marcelo Vitorino
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