— Nem mais um sapo, entendeu? — e ainda sem tirar o olhar fixo de Jéssica,
completou — Para mim, deu!
As amigas de Jéssica bem que a alertaram sobre o perfil ciumento que Jorge,
seu noivo, tinha. Mas até então ela não tinha se dado conta disso. Tiveram
algumas discussões antes, mas ele nunca se mostrou tão descontente como nessa
última.
— Eu tinha te dito para ficar com o Vagner, lembra? Era muito mais
tranquilo. Sua vida seria calma… Mas, não, você não quis me ouvir, agora lide
com seu problema. — disse Rosinha, sua amiga mais íntima, após saber do bate
boca que ocorreu a tarde.
Jéssica realmente não sabia o que fazer, gostava muito de Jorge, mas não
conseguia se desvincular de Vagner. De alguma forma ele sempre se mostrava lá,
como se nunca tivesse saído da vida dela.
Fotos, presentes, cartinhas e até mesmo roupas que o ex-namorado usava,
Jéssica tinha tudo guardado com o maior esmero possível. Se não fosse dona
Isaura, a mãe dela, interceder, era capaz que até os porta-retratos estivessem
pendurados na sala de estar de sua casa.
Jorge por sua vez parecia não ter passado. Quando começou a namorar Jéssica,
fez questão de se desfazer de tudo ou quase tudo que lhe recordava outra
mulher. Achava que ficar guardando coisas só poderia trazer energias negativas
para a relação atual.
Os dois se davam bem em praticamente tudo, menos nesse ponto. O apego de
Jéssica às recordações de seu passado deixava Jorge consternado. De tempos em
tempos acabavam entrando em conflito por causa disso e, a cada discussão, um
pouco da alegria que toda relação saudável tem, morria.
Já se viam há alguns meses quando Jorge foi convidado para conhecer a casa
de Jéssica. Antes não tivesse ido. Assim que chegou à porta foi posto para
dentro com a mesma rapidez de quem precisa tirar uma panela do fogo para não
queimar o arroz.
O tempo todo que permaneceu dentro da casa não teve como se sentir bem. Foi
impossível não notar o desconforto da anfitriã com a sua presença.
Como aquela situação já estava o incomodando, inventou uma desculpa qualquer
e se levantou, fazendo menção de ir embora.
— Espera! — disse Jéssica, se antecipando a ele e se colocando em frente à
porta.
O namorado então pensou que o tico e o teco da moça finalmente tivessem
conversado e que, de algum jeito, ela tivesse notado como o tratara mal. Já
estava se preparando para dar um daqueles beijos de cinema, quando teve a
revelação:
— Preciso ver uma coisa. — disse enquanto olhava para a rua. — Não quero que
os vizinhos te vejam sair. O que vão pensar de mim?
Finalmente Jorge entendeu tudo o que estava acontecendo. Enfurecido e tomado
pelo ciúme, resolveu se calar. Foi a atitude mais sábia que o coitado poderia
ter. A humilhação já era suficiente. Calou-se por uma semana.
Jéssica ficou muito surpresa com a falta de sensibilidade de Jorge, afinal,
fazia somente alguns meses que outro homem era visto saindo de sua casa, era
natural que não quisesse ficar falada pela vizinhança.
— Aconteceu exatamente do jeito que estou te contando, Rosinha! Estou besta!
Imagina que ficou uma semana sem falar comigo por causa de uma bobagem como
essa?
Rosinha, como sempre, apoiava a amiga. Disse-lhe que os homens eram assim
mesmos, todos uns brutos, que não entendiam como funcionava a cabeça de uma
mulher. Confortou-a.
Meses se passaram e Jorge novamente se desarmou. Sua primeira visita nunca
lhe desceu da garganta, continuava entalada, até porque, Jéssica nunca se
desculpou adequadamente por tamanha desfeita.
Mas, resignado, tomou a decisão de seguir adiante. Não seria por causa disso
que abriria mão da paixão que estava vivendo. Com o noivado, pôde frequentar a
casa da noiva sem restrições e sem o constrangimento de sair de lá feito
qualquer tipo de amante, às escondidas.
Com o casamento marcado para outubro, começaram a procurar um lugar para
morar. O noivo queria morar no bairro da Lapa, porque era o lugar que ficaria
bem no meio entre o trabalho do casal. Os dois levariam o mesmo tempo para
chegar em casa, mesmo vindo de direções opostas.
Inúmeros apartamentos foram vistos. Qualquer homem lúcido sabe que não se
muda de casa sem o aval da mulher e Jéssica, prontamente, recusou todos. Nenhum
era do seu agrado. Jorge estranhou o comportamento da noiva, mas acatou. Acabou
comprando um apartamento em Moema, um bairro completamente fora do trajeto
ideal, contudo, muito bom também.
Após o casamento acontecer, estavam acomodando as coisas no novo apartamento
quando uma das caixas de Jéssica caiu no chão e o preencheu com fotografias
dela com o Vagner.
Por que ela guardaria tanta foto? Não dava para ficar com algumas somente?
Passavam de cem. Chamou a esposa e pediu uma explicação.
— Amor, pare com isso, guardei porque estava bonita nesse dia.
— Que dia, mulher? Tem mais de cem fotos no chão. Fora isso, você é a pessoa
que mais tem fotos que eu já vi na vida, não é possível que tem que guardar
todas!
Jéssica tentou argumentar, mas os argumentos pareciam ter tomado um trem
para o Rio de Janeiro. Nenhuma explicação lógica fazia sentido até que, sem ter
mais o que falar, se pôs a chorar.
Jorge já estava se comovendo com aquela situação quando percebeu uma dúzia
de fotos em um lugar que ele reconheceu.
— Jéssica, eu não acredito no que estou vendo! — disse apontando as fotos
que foram tiradas exatamente em uma praça que fica na Lapa. — Me explique isso!
Foi aí então que descobriu porque não conseguira morar onde queria. A
família de Vagner era de lá e ela achou fora de tom ser vista com outra pessoa
em sua companhia.
Aquilo foi a gota d´água para Jorge. Com a anulação do casamento, cada um
foi para o seu lado, mas Jorge continuou morando no apartamento que comprou.
Meses depois Rosinha se mudou para lá. Nunca se viu tantas declarações de
amor como as que ela fazia. Ela fez questão de exibir a sua felicidade com o
marido, sem medo do que qualquer um pensaria.
F: naquelamesa
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