DISCUSSÃO - CRÔNICA
— Fernanda, senta aqui… — Pediu Mário, enquanto pensava exatamente em quais palavras usar na conversa que estava para acontecer.
— Fernanda, senta aqui… — Pediu Mário, enquanto pensava exatamente em quais palavras usar na conversa que estava para acontecer.
— Agora não, Má! Não está vendo que estou
ocupada?
— Você não está ocupada, está arrumando a cama, o
que é uma das coisas mais estúpidas que alguém pode fazer. Se logo voltaremos
para ela, não faz sentido algum arrumá-la!
— Que bobagem, eu gosto de chegar e ver ela
arrumada! Qual o problema com isso?
Mário era um sujeito muito debochado, via graça
em tudo, era capaz de divertir uma viúva em pleno enterro e naquele dia estava
especialmente irônico.
— Problema, problema, não tem, só não faz sentido
mesmo. Arrumar a cama só seria útil se fossemos vender ela para alguém! Aí sim,
o sujeito chega, vê ela toda arrumada, e quem sabe topa pagar um preço maior.
Mas, tudo bem, quando terminar, me avise.
— Só mais um instante e já vou…
Um instante é uma medida um tanto quanto
variável, cada um define o tempo que leva. O instante de Fernanda levou cerca
de uma hora e meia. Mário já tinha se cansado de esperar quando Fernanda
finalmente resolveu ir até ele.
Chegando à sala encontrou-o em meio a uma partida
de videogame. Mesmo percebendo o quão compenetrado estava, começou o sermão
habitual quando o pegava jogando.
O marido, de propósito, continuou jogando como se
Fernanda não estivesse lá. Nos trinta minutos que se seguiram, não teve trégua,
ela já tinha estabelecido que o grande vilão do relacionamento fosse o maldito
aparelho.
Vendo que ela não iria parar e nem se tocar que o
tinha feito esperar por mais de uma hora, Mário desligou o videogame e disse:
— Agora que tenho sua atenção acho que é o
momento de termos uma conversa.
Não foi preciso ser mais claro, o tom do início
da conversa já demonstrava o teor do que viria. Fernanda, que estava em pé,
sentou-se ao lado do marido.
— Acho que deveríamos dar um tempo.
— Mas, por quê? Está tudo tão bem entre nós,
praticamente não brigamos…
— Você está certa, não brigamos. Você briga! Não
importa pelo que, nos últimos tempos, qualquer coisa que aconteça leva a uma
discussão da qual eu acabo preferindo ficar quieto para não aumentar o
problema. Mas eu cansei!
— Não é bem assim, você está sendo injusto
comigo!
— Queria estar, acredite. Mas, não estou! Agora
mesmo, eu queria conversar e você me deixou plantado esperando por mais de uma
hora, quando apareceu não esperou um minuto e quis me dar sermão sobre eu estar
jogando. — e como não conseguia segurar a irônia, continuou — Coerência, cadê
você? Não veio hoje?
— Não precisa ser irônico, Mário.
— Você tem razão novamente, eu não preciso, mas
eu quero! Venho aguentando todo tipo de “pití” há meses. Daí hoje foi a gota
d´água. Eu estava querendo conversar para tentar te mostrar o meu lado, mas
você não deixou. Sendo assim, acho melhor darmos um tempo.
— Calma, Mário! E se eu me comprometer a
melhorar, você revê sua decisão? Você sabe que eu te amo e não quero ficar
longe de você.
— Você não aguenta, Fernanda. No primeiro sinal
de fumaça o fogo já te consumiu.
— Experimenta! Anda! Pode me falar o que quiser,
vou te mostrar como consigo me controlar.
— Se é assim que você quer, tudo bem, mas
primeiro vamos tirar os objetos pontiagudos e pesados de perto. Posso começar?
— Pode!
— Você não acha que já está na hora de sua mãe
dar jeito na vida? Ela só vive para encher a paciência da gente. Acho que já
podemos parar de comer lá aos domingos, até porque, a comida dela é horrível.
Tudo bem que é a sua mãe, mas pelo amor de Deus, Fernanda, ela não precisa
ficar contando os casos amorosos que ela tem com a vizinhança como se fossem
valer uma medalha…
— Continue, Mário, essa não passou nem raspando.
Nem eu gosto da comida da minha mãe, só como para agradar.
— E aquela sua amiga, a Renata, gostaria que ela
não viesse mais aqui em casa. Ela não tem modos, parece que veio sozinha ao
mundo. Fora o fato de já ter saído com o batalhão inteiro do corpo de bombeiros
aqui do lado. Eu sei, ela é gostosa demais, tem umas pernas, um par de peitos
que deixam qualquer homem louco, mas não é por isso que precisa sair ofertando.
Se não fosse o jeitão dela eu até que encararia, faz o meu tipo…
— Mário, eu sei que você detesta mulher
oferecida, pode continuar, essa também não valeu.
— Você não acha que deveria procurar um emprego
de verdade? Sério. Esse negócio de escrever blog não é emprego. Fica aí metida
com esse bando de nerds o tempo todo. Evento disso, evento daquilo. Todo mundo
sabe que esse pessoal de mídias sociais é tudo duro. Mendigos virtuais. Você
não pode bobear que já te pedem cliques e “likes”. O pior é que você está se
tornando um deles. Está chata demais!
Fernanda continuou sem esboçar um único franzir
de testa, falar da mãe, da melhor amiga e do trabalho não a abalou em momento
algum. O marido foi obrigado a se render, mas ficou feliz pelo avanço
demonstrado pela esposa.
— Dou-me por satisfeito, Fernanda! E como prova
de reconhecimento, põe uma roupa, vou te levar para jantar no Terraço Itália.
Sei que você adora a vista daquele restaurante.
Passados cerca de quarenta minutos, nada da
Fernanda estar pronta. Mário estranhou e perguntou o motivo da demora.
— Estou procurando uma blusa, Mário. Tem que ser
aquela. Eu tinha deixado separado para uma ocasião especial e agora não a
encontro.
— Vista outra e vamos embora. Se demorarmos muito
vamos acabar ficando na fila de espera. O que essa blusa tem de tão especial?
— Homens são tão ignorantes… Ela me deixa magra,
ora essa.
— Fernanda, preste atenção, uma blusa não é um
manto mágico. Ela não irá te emagrecer. Pode pegar outra. — disse Mário, em tom
de brincadeira.
Dessa vez, sem querer, Mário acabou despertando o
que Fernanda tinha conseguido guardar. Ninguém foi jantar, mas os vizinhos
puderam apreciar a maior briga que aquele casal já teve. As escolas deveriam
ensinar aos meninos, já no primário, que não se brinca com o peso de uma mulher.
F: Marcelo Vitorino
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