Essa não era mais uma daquelas briguinhas que todo
casal tem quando, por falta de assunto, resolver fazer para movimentar o
relacionamento. João Pedro estava determinado a terminar o casamento com
Doralice.
A decisão dele nada tinha a ver com outra mulher,
antes fosse. A verdade é que João Pedro empapuçou do matrimônio. Não aguentava
mais acordar e deitar com Doralice, a convivência diária se tornou um martírio
para ele.
— Então é isso? Está acabado? — perguntou Doralice,
em pé, junto à porta do apartamento e com os olhos cheios de lágrimas, mas
ainda contendo o choro.
— Assim que eu voltar de Porto Alegre eu vou
procurar outro lugar para ficar. Mas, não se preocupe, não deixarei nada te
faltar. — fez uma pequena pausa, deu um beijo na testa da quase “ex” esposa e
continuou — Volto sexta-feira.
Assim que a porta se fechou, Doralice desabou a
chorar. Nunca imaginou que um dia teria que se separar de João Pedro, desde o
momento que o conheceu, o mundo parou de girar. Nem mesmo o fato do sujeito ser
comprometido lhe importou. Ela estava obcecada por ele.
Ninguém sabe ao certo como conseguiu a façanha de
separá-lo de Regina, que tinha uma beleza de fazer inveja, de parar o mercado
de peixe. Já Doralice não era lá das mais belas, para falar a verdade, é
preciso que façamos justiça, ela era realmente feia.
Ninguém entendeu quando João Pedro resolveu
terminar seu relacionamento para ficar com ela. As más línguas diziam que só
podia ser uma coisa: macumba. As suspeitas da vizinhança tinham fundamento.
Doralice, sempre que podia, frequentava o terreiro do Pai Valter, que ficava
nos arredores da capital paulista, praticamente na divisa com Diadema.
Passados dois dias da partida do marido, não tinha
nenhum plano para fazê-lo desistir da ideia de sair de casa. Ligou para sua mãe
para tentar puxar assunto. Como percebeu que a filha não estava bem, chamou-a
em casa.
— O que é que você fez agora, Dora?
— O João Pedro, mãe… — respirou fundo e concluiu —
Ele quer a separação!
Sua mãe não pareceu surpresa com o que acabara de
ouvir.
— Acontece, Dora; acontece… No fundo até você sabia
que aquele homem era muita areia para o seu caminhão, não é?
— Como é que é? — interrompeu Dora, irritada.
— Ah, Dora! Faça-me o favor! Não venha agora posar
de inocente, pois você não é. Sou tua mãe, mas não sou cega!
— Mas, mãe…
— Não tem jeito. Você fez o inferno da vida daquela
outra moça, até que o rapaz se separou, agora está tendo o que merece. Assim é
a vida!
— Você não está do meu lado?
— E desde quando eu saí dele. Eu te disse para não
forçar a barra para que ele casasse, não disse?
— Disse, mas eu não podia deixar chance para ele
voltar para ela.
— Bobagem, minha filha. Você apenas o forçou a
viver como marido quando não era a hora dele. É melhor aceitar os fatos.
De fato, nem chegou a ter um casamento com festa e
tudo. Quando João Pedro se deu conta, Doralice já estava morando em sua casa.
Começou deixando uma escova de dente. Depois a escova foi recebendo companhia
de outros pertences. Semana a semana, ela levava mais alguma coisa. Em dois
meses, estavam morando juntos.
Logo após da conversa desanimadora com a sua mãe,
faltando apenas um dia para o retorno do marido, Doralice viu que não tinha
alternativa. Somente Pai Valter poderia lhe socorrer. Depois de duas horas no
trânsito caótico de São Paulo, chegou ao seu destino.
Para sua infelicidade, Pai Valter estava em um
atendimento, o que gerou mais quatro horas de espera. Quando pensou em desistir,
foi chamada.
— Pai Valter, lembra-se do João Pedro? Então… Ele
quer a separação. Estou desesperada! Não faço a menor ideia do que fazer. Diga
algo, por favor! Não quero perdê-lo.
— “Min zé fia”, o caso tá muito complicado… — parou
um pouco, tragou o charuto que estava em sua mão e continuou — Me deixe ter
aqui com os meus para ver o que fazer.
Após jogar alguns búzios, Pai Valter fez umas
caretas, falou mais algumas palavras indecifráveis, mas teve uma resposta.
— Faça o seguinte: diga ao moço que está grávida.
Com isso você ganha tempo. Aí volta aqui e faremos um trabalho para adoçar os
pensamentos dele a teu respeito.
Para Doralice tudo ficou claro: a ideia era genial!
Estando grávida, João Pedro teria que ficar por perto e com o tempo ele
acabaria entendendo que ela era a mulher de sua vida. Nem cogitou no que ele
faria quando descobrisse a farsa. “Uma coisa de cada vez”, pensou.
F: Marcelo Vitorino
F: Marcelo Vitorino
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