PELAS TABELAS – CRÔNICA
Pouco depois que as primeiras horas da manhã se deram, diversos
manifestantes se colocaram a gritar palavras de revolta que podiam ser ouvidas
por todo o país. Queriam apenas uma coisa: a cabeça de um homem.
No início ninguém esperava que aquele clima pudesse promover alguma mudança,
mas com o tempo a insatisfação tomou conta da população e as ruas de todas as
capitais foram tomadas.
— É um absurdo o que estão fazendo com o senhor! — Afirmou Macedo,
assessor pessoal do presidente.
— O povo é injusto demais… — Respondeu o presidente.
— Isso não é coisa do povo, senhor, é culpa da imprensa! Precisava publicar
aquelas coisas?
— Que coisas?
— O senhor não leu os jornais? O clipping que fazemos dava indícios
de que a crise no governo iria acontecer cedo ou tarde.
— Ah, aquelas notícias relacionando minha família com o escândalo
imobiliário? Nem dei atenção, nada pode ser comprovado. Por que eu deveria me
preocupar?
— A questão, presidente, é que o senhor angariou muitos inimigos em seu
mandato. Longe de mim discordar do senhor, mas peitar o congresso não foi uma
boa ideia.
— E você queria que eu fizesse o quê? Aprovasse todas aquelas
irregularidades envolvendo todos os partidos?
— Não, presidente. De forma alguma! Não era a isso que eu me referia, estava
falando sobre o pedágio que eu tive que recolher dos parlamentares.
— Não era pedágio para mim, era para a manutenção partidária, oras! Você
sabe como a coisa toda funciona, não sei porque se espanta. E outra,
garanto que nenhum deputado ficou mais pobre depois que iniciei o meu mandato.
Todos prosperaram, e muito!
— Isso é verdade, presidente! Por outro lado, o senhor reteve as indicações
dos cargos das estatais.
— Será que foi isso?
— Não sei, teve também aquele esquema lá do nordeste…
— O dos poços artesianos?
— Não, o esquema das obras públicas. Só o Marcondes é que arrecadava das
empreiteiras.
— Era necessário, meu Deus! Aquele dinheiro era para campanhas de governador.
Precisávamos acabar com a hegemonia dos adversários no sul. Como é que a conta
fecharia sem passar o chapéu?
De fato, foi a soma de vários fatores que fizeram a porta do inferno se
abrir diante do presidente da república democrática do Umbiguistão.
O Umbiguistão era um país tranquilo, com um povo realmente amistoso,
tranquilo, tipicamente manso. Mesmo com os piores índices educacionais, uma
grande disparidade social e um problema grave de violência, o povo não se
manifestava, preferia se ater a cuidar de suas famílias, garantir seus empregos
e assistir os clássicos de peteca, o esporte nacional.
Com uma democracia recente, o Umbiguistão era uma promessa do mundo
capitalista. Por ter fontes inesgotáveis de energia e alimentos conseguia
atrair investimentos de diversos países. O constante caráter de país do futuro,
uma potencia emergente, garantia um bom número de obras e empresas estatais. A
economia girava em cima do Estado maior.
A imprensa até que tinha a sua liberdade, pelo menos, dizia ter. Contudo, tendo
sua área comercial alimentada por anúncios do governo e das estatais, não se
podia cobrar muito dela. Vez ou outra dava um escândalo, mas sempre de acordo
com seus principais patrocinadores.
O engraçado é que o povo não estranhou quando a imprensa publicou o mapa da
corrupção envolvendo apenas o presidente e seus familiares. No Umbiguistão o
poder tinha apenas dois lados: o de dentro e o de fora. Com certeza, a imprensa
estava a serviço de algum dos dois.
— E agora, Macedo? O que faremos?
— O que faremos? Não me venha com essa agora! O que o senhor fará é
que é a questão! Eu não farei nada, voltarei para a minha família, não é a mim
que eles querem.
— Não acredito que você irá me abandonar! Não depois de tudo que fiz por
você, Macedo!
— Presidente, serei claro, somente o capitão afunda com o navio. Entende?
— Será que eles vão me matar igual fizerem com aquele ditador?
— Que ditador?
— Aquele lá do oriente médio, o bigodudo…
— O senhor está falando do ex-presidente do Iraque, Saddam Hussein?
— Sim, ele mesmo, você sabe que não presto atenção nesse negócio de
geografia, Macedo. Até o Bush confundiu a capital do Brasil com a da Argentina…
— Fique calmo, presidente! O senhor não será morto, essa não é uma prática
aceitável para o Umbiguistão. Não temos pena capital e o senhor pelo menos não
arrumou encrenca com outros países.
— Você tem razão, Macedo! Ainda bem que tirei da cabeça a ideia de
nacionalizar as indústrias estrangeiras. Aquilo teria sido estupidez! Qual foi
o ministro que pensou naquele absurdo?
— Na verdade, presidente, não foi um ministro. A ideia foi sua.
Poucos segundos depois vieram as batidas na porta. Era o ministro da casa
civil que chegava com a notícia do congresso: os deputados iriam votar a sua
cassação.
O presidente, diante do que estava acontecendo, preferia a morte ao ter que
passar pelo dissabor de ser expulso da sua cadeira, decidiu pela renúncia.
A renúncia fez com que seus direitos políticos fossem preservados, mas o
canto de felicidade do povo, que estava do lado de fora do gabinete, nunca mais
saiu de sua cabeça. Teve pesadelos com ele até o final de sua vida.
F: Marcelo Vitorino
F: Marcelo Vitorino
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