MESTRE JONAS - crônica
—Parabéns, Marina! Você merece esse reconhecimento por tudo que fez de bom para essa empresa ao longo de sua estada. Não preciso nem dizer do orgulho que sinto por ter te indicado para o seu cargo. — disse Palhares, diretor regional, ao promover uma das funcionárias mais antigas da empresa para o cargo de gerente de vendas.
—Parabéns, Marina! Você merece esse reconhecimento por tudo que fez de bom para essa empresa ao longo de sua estada. Não preciso nem dizer do orgulho que sinto por ter te indicado para o seu cargo. — disse Palhares, diretor regional, ao promover uma das funcionárias mais antigas da empresa para o cargo de gerente de vendas.
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Apesar de Marina costumar faltar muito, não entregar bons resultados e o seu
comprometimento ser menor do que o dos estagiários, ninguém se assustou com a
promoção, alguns sussurraram maledicências sobre a empresa e também sobre a
colega, mas esse comportamento não tinha uma motivação especial, era normal
entre os colaboradores.
Alguns concorrentes à vaga pensaram em se demitir, mas acharam melhor
permanecerem quietos. A empresa tinha uma administração familiar e a política
do “bege” era a garantia de continuidade do emprego.
Assim que alguém era contratado, algum colega tratava de explicar a política
para o novo membro da equipe:
— Tudo aqui é muito simples, entende? Se você não causar alarde, não se
destacar, nem reclamar, ficará empregado o resto da vida. Basta ficar “bege”,
igual as divisórias das salas. Não pareça diferente que tudo vai dar certo!
Em princípio o recém-chegado relutava em aceitar a máxima, mas o problema da
empresa era cultural, estava enraizado. Muitos chegaram e saíram rápido. Certa
vez, talvez por desconhecimento dele, foi parar lá um jovem executivo para ser
diretor administrativo. Prometeu revolucionar a empresa em três meses.
Já nas primeiras reuniões sentiu que exagerou na promessa e informou ao seu
superior que se precipitou. Ao menos seis meses seriam necessários para a
tarefa e, para isso, alguns funcionários teriam que ser demitidos, políticas de
produtividade impostas, teria que haver limitação de horas extras e o gestor da
área de recursos humanos deveria passar por uma reciclagem ou ser dispensado.
O presidente teria acatado algumas determinações, mas como o gestor do RH
era sobrinho de sua esposa, fez o que pareceu que lhe causaria menos problemas,
demitiu o executivo. Foi o recorde da menor estadia de alguém na empresa, uma
semana.
Mesmo assim o presidente levou as considerações, muito pertinentes por
sinal, para o restante da diretoria. Todos se comprometeram em apresentar algum
plano para melhorar a produtividade e reduzir os custos da sua área.
Passados mais de quatro meses, o único a apresentar algo foi o sobrinho do
presidente. Convocou uma reunião e mostrou a visão que teve em alguns slides
que mais pareciam ter sido feitos por colegiais.
Nela, o responsável pelo RH concluiu que o melhor caminho seria criar uma
nova área na empresa que fosse responsável por criar soluções de produtividade.
Pensar em como reduzir custos e melhorar a produtividade seria uma tarefa muito
importante, a ponto que seria necessário ter uma equipe inteira dedicada
somente para ela. Gente com conhecimento da empresa, motivada e qualificada.
Os aplausos dos demais diretores puderam ser ouvidos mesmo fora da sala de
reuniões, estava ali, diante de seus olhos, a solução ideal: terceirizar o
serviço intelectual para outra pessoa. Melhor solução não poderia haver!
Aprovaram a ideia assim que terminaram de ouvi-la e pediram para que fosse
colocada em prática o mais breve possível.
O RH ficou encarregado de pesquisar todos os funcionários e, entre eles,
selecionar um gerente para a nova área. A mesma foi batizada como o
departamento de “Produtividade Empresarial com Inteligência e Diretrizes
Orientadas”, mas como achou o nome grande, preferiu sua abreviação:
“P.E.I.D.O.”.
Após um trabalho intenso, realizado pela sua secretária, foi informado por
ela que teria problemas em preencher a vaga. Das três características
necessárias (tempo de empresa, motivação, qualificação), somente duas eram
encontradas no quadro funcional.
Basicamente quem tinha tempo de empresa e era bem qualificado, não estava
motivado. Quem estava motivado e era qualificado, era recém-contratado. E quem
estava lá há muito tempo e estava motivado não era qualificado.
Já que estava sem alternativas, o gestor do RH teve que ter uma ideia genial
para encontrar o novo gerente para o “P.E.I.D.O.”. E assim o fez!
Eliminou da lista os recém-contratados, juntou todos os demais currículos em
cima de sua mesa, chamou uma funcionária e pediu para que, sem olhar,
escolhesse um dos papéis da pilha. Afinal, para ocupar aquele cargo, chegou a
conclusão de que a pessoa deveria ter sorte.
— Que nome apareceu aí, Fátima?
— Jonas A. P. de Albuquerque.
— Mas, quem é esse funcionário? Nunca ouvi falar dele! Chame-o aqui, é seu
dia de sorte!
De fato, Jonas era um colaborador muito discreto. Estava há mais de quinze
anos no exercício de sua função, seja ela qual fosse, pois ninguém a conhecia.
Como era um dos funcionários mais antigos, nenhum colega tinha coragem de
confrontá-lo. Se estava lá há tanto tempo, sem fazer nada, só podia ser
protegido de alguém, comentava-se.
Jonas foi contratado para organizar o acervo de plantas arquitetônicas da
construtora. Antigamente elas tinham que ser impressas, catalogadas e
armazenadas em tubos cilíndricos, em uma sala com ambientação adequada.
Porém, com a tecnologia, o armazenamento passou a ser digital e Jonas perdeu
a sua função. Como isso aconteceu em uma época de abundância na empresa, os
diretores decidiram mantê-lo, pois ele poderia ser encaixado para fazer outras
atividades. E, desde então, Jonas nunca mais trabalhou.
Passava seus dias lendo publicações na internet, jogando paciência,
escrevendo livros que nunca seriam publicados de tão ruins que eram, mas estava
lá, pontualmente, todos os dias. Para o RH era um funcionário modelo, suas
respostas nas pesquisas de clima eram fantásticas, estava sempre feliz com o
ambiente de trabalho e se mostrava motivado a desempenhar suas funções. A
empresa era tudo que ele queria, um porto seguro, uma mãe.
— Jonas, que prazer vê-lo! Sente-se, por favor… Imagino que saiba quem eu
sou e qual é o meu trabalho. Quer uma água ou um café?
O funcionário, se mostrando muito desconfortável, acenou negativamente com a
cabeça e perguntou:
— Vocês não vão me demitir, não é? Meu trabalho é tudo o que eu tenho! Eu
nunca me atrasei ou faltei um dia sequer!
— Calma, Jonas, calma! Pedi para te trazer aqui para fazer uma oferta.
— Eu não vou devolver a multa do fundo de garantia, nem adianta tentar!
— Deixe de bobagem! Não quero te demitir, se fosse para isso nem falaria com
você, te mandaria embora por comunicado, igual faço com todo mundo. — fez uma
pausa por tempo suficiente para Jonas parar de suar e continuou. — A empresa
abriu um novo departamento e resolvi te indicar para a gerência dele.
— Eu não quero, obrigado! Peço que me entenda, mas já me acostumei no meu
cargo. Estou há mais de dez anos lá, sem ninguém me incomodar.
— Como não quer, você está louco? É uma gerência! Vai ter uma sala só sua,
coordenar pessoas e ganhar mais. O que mais você pode querer?
— Ficar no meu canto. É muito mais seguro! Vai que eu tenha que decidir
coisas importantes? Isso sempre causa conflito e chama muita atenção. Do jeito
que estou, sou “bege”, é capaz de continuar empregado mesmo com a empresa
falindo.
— Jonas…
— Com todo respeito que tenho pela empresa, ser promovido não está e nunca
esteve nos meus planos. Fiz tudo o possível para que isso não acontecesse. Se
eu tiver que assumir a gerência terei que trabalhar, prestar atenção nas
coisas, executar tarefas complicas e dar resultados. Está decidido! Tudo o que
eu quero é um emprego, se quisesse um trabalho iria para outro lugar.
Pelo conhecimento que Jonas mostrou da empresa seria a contratação certa,
mas diante das explicações que ouviu o gestor de RH entendeu que, em seu lugar,
faria o mesmo. Decidiu continuar procurando por outro funcionário.
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