quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A AVENTURA DA REPORTAGEM E OS MOINHOS DE VENTO DE F. GOMES" - CRÔNICA - HOMENAGEM A F. GOMES por CARLOS SANTOS


A aventura da reportagem e os moinhos de vento de F. Gomes

Radialista F Gomes
Meados da década de 90, eu comandava a redação do jornal Gazeta do Oeste, com a colaboração de vários nomes. Éramos uma equipe; a chefia seria mais uma referência hierárquica do que posto de comando.

Entre as nossas metas: alcançar o Seridó, fincar bandeira e expandir influência geopolítica do periódico.

Lembro-me bem a primeira manchete num domingo, com o jornal chegando à região, a partir de Caicó, logo cedinho da manhã:

- Bom-dia, Seridó!

Nossa referência no lugar não poderia ter sido melhor: jornalista-radialista Francisco Gomes de Medeiros, o "F. Gomes". À tiracolo, "Saci", um intrépido repórter-fotográfico, com permanente bom humor e fidelidade canina ao amigo.

Quantas histórias!

Um, poderia ser "Dom Quixote"; o outro, por que não "Sancho Pança?"

Em seus papeis, unha-e-carne, isca e anzol, irmãos siameses, escreveram parte considerável da rotina e dos sobressaltos da região. Da política à nauseante área policial.

Duelavam contra moinhos. Tinham zelo e apetite pela notícia. Faziam parte de uma espécie em extinção no jornalismo, sempre convertendo qualquer dificuldade em estímulo à produção da reportagem.

Gomes, voz mansa, quase inaudível. Olhos claros que espalhavam brilho, sem ofuscar a centelha de cada um de nós. Tímido. Introspectivo. Um leve sorriso lhe escapava aqui e ali.

Saci, o tagarela histriônico, não era bobo nem lhe fazia rapapés. As lisonjas ao quase-irmão eram apenas um atestado de reconhecimento e um adesivo de admiração. Que era mútua.

Cheguei à escolha de ambos, para compor a equipe da Gazeta do Oeste, usando a mais comum das técnicas de recrutamento: fui ouvir primeiro nos botecos, cabarés, restaurantes, praças e com o povo comum, quem era quem no lugar.

A pessoa certa

F. Gomes não era unanimidade. Ainda bem. Tinha defeitos, porém nenhuma deformidade moral.

Era a pessoa certa pro nosso projeto? O tempo confirmou que sim.

Acertei em cheio. Ganhei um repórter de faro fino, texto límpido e largo conceito. Mais: agreguei um amigo. Dois. Bota Saci e seu permanente bom humor na conta, por favor.

Quantas histórias!

Uma delas não me sai da memória jamais. Saci narrou pra alguns de nós, numa mesa de bar, em que o abstêmio F. Gomes, refrigerante no copo, apenas sorria pausadamente. Confirmava tudo com ar de satisfação.

Os dois cobriam desaparecimento de um homem, quando o corpo foi localizado já em processo de decomposição, numa área de topografia acidentada. Sem temores, Saci topou jogar o "presunto" sobre o próprio ombro, para "ajudá-lo" a descer de um local de acesso difícil e declive acentuado.

Mais prudente, caderninho à mão, em suas anotações, F. Gomes quase perde a cena rocambolesca que veio a seguir. Saci tropeça e desce colina abaixo com o presunto, numa sequência interminável de tombos.

Já embaixo, em meio à cena tétrica e batendo a poeira, o repórter-fotográfico dá boas gargalhadas ao lado do amigo.

Entre mortos e feridos, escapou Saci. Ainda bem.

- Esse homem não tem jeito - transpirava o repórter F. Gomes.

Agora, em pleno outubro de 2010, passado tanto tempo, vejo F. Gomes no centro da própria notícia. Cinco tiros e um cadáver: ele morto. Mas nem por isso menor ou subjugado.

Continuará vivo.

É-me interessante conservar a imagem do repórter sereno, mas destemido. Do amigo leal, íntegro e generoso.

Continuamos por aqui, nesse interminável duelo contra os moinhos de vento. Entretanto conscientes de que essa é nossa realidade, nua e crua.

Um abraço, meu amigo.

Carlos Santos

Fonte: Coluna do Hezorg

Nenhum comentário:

Postar um comentário