A aventura da reportagem e os moinhos de vento de F. Gomes
Radialista F Gomes
Entre as nossas metas: alcançar o Seridó, fincar bandeira e expandir influência geopolítica do periódico.
Lembro-me bem a primeira manchete num domingo, com o jornal chegando à região, a partir de Caicó, logo cedinho da manhã:
- Bom-dia, Seridó!
Nossa referência no lugar não poderia ter sido melhor: jornalista-radialista Francisco Gomes de Medeiros, o "F. Gomes". À tiracolo, "Saci", um intrépido repórter-fotográfico, com permanente bom humor e fidelidade canina ao amigo.
Quantas histórias!
Um, poderia ser "Dom Quixote"; o outro, por que não "Sancho Pança?"
Em seus papeis, unha-e-carne, isca e anzol, irmãos siameses, escreveram parte considerável da rotina e dos sobressaltos da região. Da política à nauseante área policial.
Duelavam contra moinhos. Tinham zelo e apetite pela notícia. Faziam parte de uma espécie em extinção no jornalismo, sempre convertendo qualquer dificuldade em estímulo à produção da reportagem.
Gomes, voz mansa, quase inaudível. Olhos claros que espalhavam brilho, sem ofuscar a centelha de cada um de nós. Tímido. Introspectivo. Um leve sorriso lhe escapava aqui e ali.
Saci, o tagarela histriônico, não era bobo nem lhe fazia rapapés. As lisonjas ao quase-irmão eram apenas um atestado de reconhecimento e um adesivo de admiração. Que era mútua.
Cheguei à escolha de ambos, para compor a equipe da Gazeta do Oeste, usando a mais comum das técnicas de recrutamento: fui ouvir primeiro nos botecos, cabarés, restaurantes, praças e com o povo comum, quem era quem no lugar.
A pessoa certa
F. Gomes não era unanimidade. Ainda bem. Tinha defeitos, porém nenhuma deformidade moral.
Era a pessoa certa pro nosso projeto? O tempo confirmou que sim.
Acertei em cheio. Ganhei um repórter de faro fino, texto límpido e largo conceito. Mais: agreguei um amigo. Dois. Bota Saci e seu permanente bom humor na conta, por favor.
Quantas histórias!
Uma delas não me sai da memória jamais. Saci narrou pra alguns de nós, numa mesa de bar, em que o abstêmio F. Gomes, refrigerante no copo, apenas sorria pausadamente. Confirmava tudo com ar de satisfação.
Os dois cobriam desaparecimento de um homem, quando o corpo foi localizado já em processo de decomposição, numa área de topografia acidentada. Sem temores, Saci topou jogar o "presunto" sobre o próprio ombro, para "ajudá-lo" a descer de um local de acesso difícil e declive acentuado.
Mais prudente, caderninho à mão, em suas anotações, F. Gomes quase perde a cena rocambolesca que veio a seguir. Saci tropeça e desce colina abaixo com o presunto, numa sequência interminável de tombos.
Já embaixo, em meio à cena tétrica e batendo a poeira, o repórter-fotográfico dá boas gargalhadas ao lado do amigo.
Entre mortos e feridos, escapou Saci. Ainda bem.
- Esse homem não tem jeito - transpirava o repórter F. Gomes.
Agora, em pleno outubro de 2010, passado tanto tempo, vejo F. Gomes no centro da própria notícia. Cinco tiros e um cadáver: ele morto. Mas nem por isso menor ou subjugado.
Continuará vivo.
É-me interessante conservar a imagem do repórter sereno, mas destemido. Do amigo leal, íntegro e generoso.
Continuamos por aqui, nesse interminável duelo contra os moinhos de vento. Entretanto conscientes de que essa é nossa realidade, nua e crua.
Um abraço, meu amigo.
Carlos Santos
Fonte: Coluna do Hezorg
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