quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

AGU PEDE AFASTAMENTO DE PROCURADOR EM CASOS QUE ENVOLVAM CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS




A reclamação disciplinar foi protocolada no Conselho Nacional do Ministério Público no dia 7 de dezembro pela Advocacia Geral da União (AGU) e pede o afastamento e a substituição do procurador da República Felício Pontes Jr (MPF/PA) nos processos que envolvem a construção de usinas hidrelétricas. O argumento usado é que o procurador “extrapolou suas funções” ao orientar os índios a se posicionarem contra construção das hidrelétricas de Belo Monte e Tapajós.

Segundo a Constituição brasileira – artigo 129 – é função do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. É o que tem feito o procurador federal do MPF-PA Felício Pontes Jr ao esclarecer os indígenas, sempre que solicitado, sobre seus direitos. Mas não é assim que a AGU tem entendido a atuação do procurador. No último dia 7, o órgão protocolou uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), solicitando o afastamento e a substituição de Felício Pontes Jr nos processos que envolvem a construção de usinas hidrelétricas, sob o argumento de que o procurador ultrapassou suas funções ao orientar os índios a se posicionarem contra as barragens de Belo Monte e do Tapajós. Com essa, são quatro representações no Conselho por causa da atuação do MPF/PA em Belo Monte – sendo que duas foram arquivadas e duas ainda tramitam.

O estopim para a reclamação formal foi uma matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, no dia 3 de dezembro. A reportagem utiliza, sem autorização, vídeos gravados durante uma reunião do procurador com os Xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá para embasar sua tese de que Felício sugere aos índios que cobrem mais dinheiro do consórcio Norte Energia pela construção da usina de Belo Monte, no Rio Xingu (PA). Os trechos do vídeo – retirado da internet a pedido do MPF-PA – mostram apenas respostas do procurador a questionamentos da comunidade sobre seus direitos relativos aos procedimentos de indenização por danos causados pela hidrelétrica.

O procurador Felício Pontes dá explicações aos Xikrin

Mas de acordo com a nota publicada no site da AGU, “o comportamento apresentado pelo procurador da República é extremamente parcial, pessoal e distante do que pode ser considerado como adequado a um membro do MPF para garantir proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas, ou para atuar como fiscal da lei”. O documento ressalta ainda que os atos de Felício "promovem insegurança jurídica e social ao incutir sentimento de revolta desmedida, resistência não pacífica e luta ilegal contra a construção de usinas hidrelétricas e, consequentemente, contra quem a promover".

Reunião na aldeia dos Xikrin do Bacajá

"Quando a Funai e a Eletronorte vão até as aldeias, com funcionários em grande parte despreparados, e fazem compromissos que não cumprem ou estabelecem uma relação perversa como as ‘listas de alimentos e objetos’, que contribuem para a destruição da cultura desses povos, parece ser normal. Porém, quando um defensor dos direitos indígenas, com compromisso histórico com essas populações, vai ao encontro deles para dias de reunião, os escuta atentamente e os orienta, como advogado dos índios, é visto com estranhamento. Há uma pequena inversão de valores nessa história toda, não?!", aponta o coordenador adjunto do Programa Xingu, do ISA, Marcelo Salazar.

Vale lembrar que Felício tem uma série de ações que apontam irregularidades sérias no processo de licenciamento de Belo Monte. Até hoje, o MPF já ingressou na Justiça com 13 ações contra a construção da barragem.

Ações de apoio
Dois dias depois da reclamação disciplinar ter sido protocolada no CNMP, uma petição online começou a circular na internet em defesa do procurador e contra o empreendimento no Rio Xingu.

Além da petição, uma nota em defesa do MPF e de sua liberdade de atuação está circulando entre antropólogos, juristas, representantes da área indígena, igreja, pesquisadores, dirigentes sociais e sociedade civil. A ideia é que em breve este documento esteja também online para juntar forças na defesa do MPF e tornar público o protesto contra a criminalização do procurador Felício Pontes Jr.

Reunião na aldeia – a origem da ação disciplinar

Entre os dias 13 e 15 de outubro, Felício Pontes Jr. visitou aldeias do povo Xikrin do Bacajá (PA) e ouviu das lideranças uma série de denúncias sobre o desrespeito com que vêm sendo tratadas pelo consórcio Norte Energia (Nesa).

Vista aérea da aldeia Mrotidjam
Além da falta de consulta aos indígenas e de informação sobre o empreendimento, os Xikrin reclamaram que acordos estabelecidos entre Nesa e Funai não vêm sendo cumpridos. Um deles é o repasse da verba estabelecida no plano emergencial, firmado entre as instituições. Segundo o acordo, a Nesa deveria alocar R$ 30 mil por aldeia todo mês em mercadorias. As compras deveriam ser feitas pelo escritório do consórcio em Altamira a partir de uma lista fornecida pela Funai, mas os índios relatam que só conseguem acessar esse direito após muita humilhação.

“A demora em receber e para levar o material às aldeias retira as lideranças por muito tempo das suas aldeias. Os mantém em Altamira sem necessidade. E os gastos com alimentação na cidade, por exemplo, também saem do recurso da ‘lista’, como ficou conhecida”, relata a antropóloga Clarice Cohn, da UFSCar, que tem acompanhado esse processo com os Xikrin desde os Estudos de Impacto Ambiental, desenvolvidos em 2009, realizando hoje a supervisão antropológica dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, com previsão de término em março de 2012.

Os Xikrin denunciaram ainda ao procurador a precariedade do atendimento básico à saúde e o descaso com a educação. “Há algumas semanas, o cacique Onça, um dos mais velhos e importantes do nosso povo foi removido para Altamira porque estava doente. Passou quatro dias no Hospital Municipal São Rafael, sem comida e nenhum atendimento. Quando souberam do caso, seus parentes o encontraram muito fraco e chorando muito, nem conseguia falar”, conta Mukuka Xikrin, uma das lideranças da etnia à frente da Associação Beby Xikrin (Abex).

Condicionantes não foram implementadas
Diversas das ações de saúde e educação são condicionantes previstas pelo Ibama para a instalação de Belo Monte e deveriam ter sido implementadas antes do início da construção da usina. Além das reclamações indígenas, o problema enfrenta outro “complicador”: várias dessas ações são de responsabilidade da prefeitura, Funai, Funasa e o consórcio joga com isso para não cumprir as ações estabelecidas no licenciamento ambiental.

Outro exemplo do descaso foi constatado na visita ao projeto de construção de banheiros nas aldeias Bacajá e Mrotidijam. Além da obra ter sido feita sem observar, nem respeitar a cultura e os padrões arquitetônicos desse povo, o material utilizado para a construção é de “baixíssima qualidade”. “O espaço é pequeno, a telha é de fibrocimento (quente e fraca podendo voar com o primeiro vento forte que vier) e as torneiras, material dos vasos e tanques são quase descartáveis”, observa Marcelo Salazar, que acompanhou a visita do procurador.
Em seus discursos, um a um, os mais velhos das aldeias expressaram indignação com Belo Monte. Eles disseram não querer a barragem no Xingu, pois estão com medo de ficar sem peixe, sem caça e sem água de qualidade para beber, para as crianças brincarem e para tomarem banho.

Na ocasião, Felício explicou aos indígenas sobre seus direitos, garantidos na Constituição e na Convenção 169, da OIT, reforçando que eles podem exigir indenização junto à Nesa pelos impactos causados pelo empreendimento. Oficialmente, o EIA não inclui o Rio Bacajá na área afetada pela usina – assim como diz que não haverá impacto em nenhuma Terra Indígena. O MPF, porém, entende que o Rio Bacajá – afluente do Xingu – também sofrerá com a diminuição da vazão das águas por causa da barragem, mas ainda aguarda estudos sobre o comportamento do rio para embasar uma nova ação contra o projeto, a 14ª.
F: socioambiental.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário