segunda-feira, 15 de abril de 2013

OLHOS NOS OLHOS

OLHOS NOS OLHOS - CRÔNICA - NAQUELA MESA
Rita nem bem havia caído no sono quando o telefone tocou.

­­­– Teu marido acabou de sair da minha casa. ­– disse uma voz feminina do outro lado linha, que logo após terminar de falar, desligou, sem se identificar.
Achou que era algum tipo de trote e, como estava sonolenta, desligou sem dar muita importância para o que acabara de ouvir. Rita não era uma mulher ciumenta, nunca foi. Em todos os relacionamentos que tivera nunca houve uma única briga motivada por ciúme.

O fato de Diego não estar em casa antes da meia-noite, às terças-feiras, era um fato normal. Religiosamente, desde quando casaram, terça era o dia que ele encontrava os amigos para o futebol semanal. Depois do jogo ele e os amigos quase sempre ficavam bebendo e por muitas vezes chegava por volta das duas da manhã.

Na manhã seguinte, Rita fez como em todas as outras; despertou cedo, passou um café bem forte, preparou a mesa do café da manhã e acordou Diego. Rita era extremamente prendada, cuidava da casa e do marido como se fosse a finalidade da vida dela.

Quando casaram, o marido fez com que ela abandonasse a faculdade e saísse do mercado de trabalho. O cargo de gerente nacional de vendas de uma multinacional permitia que o custo de vida do casal pudesse ser arcado apenas pelo marido, e ele insistiu que ela deveria ter todo tempo disponível para cuidar da família.
Diego sempre foi louco por crianças, casou-se já dando nomes para os meninos. Talvez por não ter tido irmãos, seu desejo era ter ao menos três ou quatro filhos.

Os anos foram passando e Rita não engravidava de jeito nenhum. Recorreram a especialistas, fizeram tratamentos caríssimos e nada. Apelaram também às crendices e, mesmo evangélicos, até em terreiro de umbanda foram. Não importava o método, o resultado era sempre o mesmo.

Com os insucessos constantes, o casal acabou se distanciando um pouco. As ausências do marido passaram a ser mais frequentes, mas Rita continuava a se dedicar em suas tarefas domésticas e considerava normal o esfriamento da relação.

Também não notou que não somente o seu marido estava distante, mas as amizades dela passaram-na a tratar de forma diferente.

O café já estava praticamente frio quando Diego entrou na cozinha.
– Bom dia, amor. Demorou no banho dessa vez… Veja se seu café ainda está bom, se não estiver, não tem problema, passo outro. ­– disse Rita.
– Rita, precisamos conversar. – secamente respondeu Diego, com um semblante pesado e olhar fixo.
– O que foi?
– Não sei bem por onde começar. ­– parou por um instante para tomar coragem ­– Quero o divórcio!
– Eu não acredito que você está fazendo isso comigo. O que aconteceu? Você tem outra?
– Fique calma! Não é uma coisa que aconteceu agora. Venho pensando nisso há muito tempo e acho que não dá mais para continuar. Não estou feliz nesse casamento.
– Eu te fiz algo?
– Rita, não foi o que você fez, mas sim o que deixou de fazer que foi me aborrecendo aos poucos. Já conversamos sobre isso várias vezes, mas você não me ouviu.
Os olhos de Rita encheram-se de lágrimas. Em poucos instantes não se ouvia mais nada a não ser os soluços dela. Correu para o banheiro. Quando voltou, Diego, covardemente, já havia saído.
No mesmo dia telefonou para casa avisando que sua decisão estava tomada. Que juntasse as coisas dele para que um colega retirasse. Ficou claro que não voltaria atrás.
Pensou em não fazer coisa alguma, mas com a obediência regular, Rita atendeu ao pedido de Diego. Cuidadosamente encaixotou todas as coisas do marido. Enquanto guardava as roupas e pertences dele, chorava e soluçava.

Não tinha havido momento tão triste em sua vida até aquele dia. Mesmo com crises enfrentadas, nunca pensou que um dia viria a se separar de Diego. Toda a sua vida girava em torno dele. O que faria agora?
Dias depois um rapaz foi retirar as caixas. Deixou o molho de chaves e uma carta: “Não te amo mais. Fique tranquila, te sustentarei pelo tempo que for necessário, não te deixarei faltar nada. Quero apenas seguir com a minha vida. Quero também que você seja feliz. Passar bem. Diego.”.

A frieza da carta terminou com o pouco de autoestima que Rita ainda tinha. Ela merecia mais. No mínimo, um pedido de desculpas, algo que demonstrasse sensibilidade ou remorso. Rita queria respeito.
Foram mais de três meses meio a crises de choro e momentos que alternavam entre tristeza, raiva e resignação.  Ficou reclusa. Não atendia telefonemas das amigas e nem queria conversa com familiares. Pensou em acabar com a própria vida.

Quando o fundo do poço parecia que se tornaria a sua realidade, algo fez Rita acordar. Reorganizando um dos armários encontrou um velho diário de sua adolescência. Nele se reencontrou com seus sonhos e vontades.

Foi atordoante ver que o que realmente desejava tinha se tornado tão distante devido a vida que escolheu levar. Ela queria conhecer o mundo, ser uma profissional de sucesso, ser independente. Mais uma vez, chorou. Mas, aquelas lágrimas tinham outra função, dessa vez não eram para extravasar a tristeza costumeira, eram lágrimas para lavar a alma, recomeçar.
Resolveu que estava mais do que na hora de tomar as rédeas de seu caminho e assim o fez. Arrumou um emprego de secretária, não lhe rendia muito, mas o suficiente para pagar a conclusão de seus estudos e pagar as próprias contas.
Por não querer relacionamento amoroso algum, tinha tempo disponível para estudar. Acabou se graduando em comércio exterior como a primeira da turma. Participou de diversos processos seletivos e pôde decidir pela melhor proposta.
Cinco anos se passaram sem nenhuma notícia de Diego. Toda vez que alguém tentava falar a respeito, Rita cortava a pessoa. “É página virada.”, dizia.
Com o tempo se tornou uma das diretoras mais competentes de seu setor. Frequentemente era vista dando entrevistas para canais de televisão para falar sobre o mercado.
Sua função cresceu tanto que coordenou um processo de fusão entre a empresa que trabalhava e outra do mesmo segmento. Nisso surge um daqueles encontros que não pode ser coincidência.
Ao ver a folha dos funcionários que viria para a sua gestão, surpresa, encontra o nome de seu ex-marido. Mais surpreso ainda ficou Diego, ao saber quem seria seu novo chefe. Pediu para falar com Rita. Ela aceitou recebê-lo em sua sala.
– Rita, quero te dizer uma coisa… Sei o quanto você sofreu em nossa separação.
– Não se preocupe com isso. Faz parte do passado.
– Eu sei, mas quero dizer que entenderei caso me queira fora de sua equipe. Acho que você tem esse direito.
– Tudo bem, Diego. Passou. Não tenho nada contra você. Pelo contrário, tenho até que lhe agradecer. Sem você, nada disso seria possível. Olhe para você. Olhe para mim. Estou feliz e espero que você também esteja.
– Mas…
Diego iria falar, mas foi interrompido pelo telefone de Rita. Ao desligar, Rita finalizou a conversa:
– Está tudo bem… Fique tranquilo, não te deixarei faltar nada enquanto eu estiver nessa cadeira. Apenas se dedique ao seu trabalho. Pode ser?
Diego não esperava encontrar Rita tão bem, tão renovada, tão mulher. Acenou positivamente com a cabeça e saiu da sala. Dias depois se demitiu. 
F: Manoel Vitorino

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