Em um daqueles domingos de calor, com um sol para cada cabeça, ele começava
mais um de seus concorridos sermões:
— Caros irmãos, que hoje seja mais um dia
iluminado, na paz do senhor. — fez uma pequena pausa esperando um “amém”
coletivo, mas como ele não veio resolveu continuar assim mesmo — Vocês sabem
por que estamos aqui hoje?
— É por que não temos para onde ir, mestre? —
perguntou um dos presentes.
— Não! Errado, Mateus…
— Eu sei, mestre, eu sei!
— Pode falar, Lucas…
— Estamos aqui porque Moisés nos mandou! Acertei?
— Errou também, irmão. Moisés apenas indicou o
caminho.
— Mais alguém se habilita? Ninguém quer
compartilhar da sua sabedoria com o grupo? Na hora da ceia todos se engalfinham
por um lugar, mas na hora do estudo quase ninguém quer participar!
Vendo que os demais permaneciam em silêncio, o
pregador viu que teria, ele mesmo, que responder a própria pergunta.
— Nós estamos aqui reunidos por obra do pai. Ele
quer que fiquemos juntos nesse momento de provação! Quer que não nos separemos
e que sigamos em frente, mesmo que sejamos imperfeitos. Entenderam?
O povo parecia estar meio disperso, alguns
acenaram com a cabeça dando a entender que sim, outros faziam gestos que não
puderam ser interpretados. Pensou em desistir da pregação, mas como sabia
da importância de sua missão, continuou.
— Pois bem, agora que sabem porque aqui estamos,
devem saber o que devemos fazer, não é?
— Fugir? — perguntou uma voz lá do fundo e que
mal pôde ser ouvida devido aos cochichos dos presentes.
— Ficar quietos e não arrumar confusão? —
perguntou um dos mais próximos ao mestre.
— Já sei! Guerra de comida! Guerra! Guerra!
Guerra! — se pronunciou Pedro, aos berros, tentando inflamar a massa que se
formou.
O grupo começou a ficar agitado e foi preciso uma
intervenção do mestre para que tudo voltasse ao normal antes que as autoridades
voltassem. Se aquela bagunça fosse percebida seria o fim das reuniões.
— Calem-se! — gritou o mestre — Não percebem o
que estão fazendo? Estão agindo como loucos e isso despertará a violência
contra nós!
— Mas, mestre… — um dos discípulos tentou
argumentar.
— Chega! Nem mais um pio! Apesar de saber que
todos somos filhos do grande pai, já que vocês não sabem se comportar, o único
que falará sou eu!
Diante daquela opressão por parte do mestre o
discípulo virou-lhe as costas e foi embora.
—Judas! Volte aqui agora! — ordenou, em vão, o
mestre.
Outros presentes também resolveram se recolher,
pois com o andar das horas muitos tinham seus compromissos com os familiares.
— Eis que vos envio como ovelhas ao meio de
lobos… — disse o mestre ao ver que metade da turma se dissipou.
— Mestre, aproveitando que agora ficamos em
menor número, poderia nos dizer o que devemos fazer? — questionou Tiago.
— Claro que sim! Devemos buscar a verdade, só ela
nos libertará…
— Como assim, mestre? Um dia poderemos ser
livres? — perguntou Simão.
— Para quem crê no pai, tudo é possível! Mas é
preciso ter disciplina e seguir a sua palavra. Não podemos desobedecer as suas
determinações e nem chamá-lo em vão, caso contrário não alcançaremos nunca a
liberdade.
— E como o mestre sabe disso? — perguntou João.
— O pai fala comigo quase todo dia. Diz-me o que
devo fazer e me adverte sobre as provações que terei que passar. — respondeu o
mestre.
Ia recomeçar o seu sermão quando foi
interrompido:
— Jesus! Ô Jesus… — uma voz chamava o mestre.
— Sim, sou eu! O que tens para me dizer, Moisés?
— Trago um recado de seu pai.
— Impossível! Meu pai falará diretamente comigo
mais tarde, não precisaria mandar um recado através de ti, Moisés!
— O recado é sobre isso mesmo. O seu Onofre disse
que não poderá vir nesse horário de visita, mas que amanhã, sem falta, ele
virá.
— Mas, Moisés…
— Ah, disse também para você se comportar
conforme combinaram senão ele não trará o bolo de chocolate que sua mãe fez.
Agora, vamos encerrar a pregação de hoje porque está na hora das visitas.
— Tudo bem, Moisés. Eu já terminei por hoje
mesmo!
— Só mais uma coisa, Jesus… Me chame de
enfermeiro Manoel. Eu prefiro.
E assim, mais um domingo de visitas da
instituição destinada ao tratamento de deficientes intelectuais começava.
F: naquelamesa.com
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