quarta-feira, 24 de abril de 2013

NAQUELA MESA - DESLIZES

CRÔNICA 
— Quantas vezes terei que te dizer que não, que sou comprometida? — indagou Rosinha.
— Sinceridade? Pode repetir esse “não” por quantas vezes achar necessário. Não desistirei de você só por causa de uma ou outra negativa. — respondeu Flavio enquanto a olhava de cima em baixo, o que o fez rapidamente mudar de assunto — Já te disse que está linda hoje?
— Flávio, me faz um favor… Vá ver se eu estou na esquina!
As investidas do rapaz em Rosinha eram frequentes, mas a moça não fazia a menor intenção de aceitar os galanteios e ceder aos inúmeros convites que recebia, quase que diariamente.
No começo Rosinha achou o assédio bonitinho, afinal, que mulher não gosta de um elogio? Mas a insistência de Flávio estava passando dos limites. Rosinha era comprometida.
O noivo sequer sonhava que tinha um rival. A postura da noiva não fazia com que qualquer dúvida sobre o seu caráter pairasse sobre ela. Ela demonstrava sua honestidade em todas as situações possíveis, chegava a ser chata de tão carola que era.
Rosinha não era bem o que podemos dizer de apaixonada por Felipe, até porque não acreditava em paixões arrebatadoras. Dizia sempre que alguém tocasse no assunto que paixão não era coisa de mulher, coisas assim só cabiam em romances de adolescência.
O casamento dos dois já estava definido, no final do ano juntariam seus imãs de geladeira e, finalmente, após nove anos de noivado, morariam juntos.
Felipe queria casar antes, mas o perfeccionismo de Rosinha o impediu. Só casaria se o casamento acontecesse na igreja que ela sonhava, no dia do aniversário de casamento dos seus pais.
Quem já teve que procurar uma igreja para casar sabe como é difícil encontrar uma data nessas condições, mas, nessas ocasiões, a última palavra é sempre da noiva.
Depois de dar mais um fora em Flávio, chegando em casa resolveu ter uma conversa com o noivo. Assim que serviu o jantar, antes que ele desse a primeira garfada na comida, disse:
— Felipe, quero te perguntar uma coisa e quero que me prometa que irá me responder. Prometa!
- Como é que vou prometer antes de saber o que quer perguntar, Rosinha?
- Prometa!
Ele simplesmente acenou positivamente com a cabeça, pois a fome vencera e já estava de boca cheia.
— Você nunca me traiu?
Felipe tomou um susto, não esperava por essa pergunta. Se tinha um sujeito fiel, era ele. Poderia ser tentado por um desfile de misses que nada aconteceria. Era até alvo de gozação na turma de amigos por causa disso.
— Nunca tive outra mulher a não ser você! — fez uma pequena pausa para terminar de engolir e continuou — E nem terei!
Rosinha ficou satisfeita, a cafajeste insistência de Flávio a fez pensar se todo homem seria cachorro como ele, daí a conversa com o noivo.
Alguns dias depois, em uma reunião de amigas na casa da Fernanda, surgiu o assunto sobre com quais homens elas pegariam se pudessem.
Cada uma disse um nome diferente, onde algumas concordavam, outras não, pelo menos até o nome do Flávio aparecer. Só não deu unanimidade porque Rosinha disse não. Fez mais, esnobou suas amigas. Disse com todas as letras, quase que em maiúsculo, que ele não parava de pegar no pé dela.
Enquanto contava o seu “suplício” pessoal, para tentar evitá-lo ao máximo, Rosinha foi interrompida por Fernanda.
- Rosinha, amiga… Não se gabe muito, Flávio é tão cafajeste que já tentou sair comigo também, e com a metade da torcida do Flamengo.
— Jura?
— Acorda garota! Ele é assim mesmo, não pode ver um rabo de saia. Não se sinta especial. — parou por um instante para pensar se deveria continuar falando e deu o golpe fatal — E tem mais, você não é mulher para ele. É muita areia para o seu caminhão! Continue com o pateta do seu noivo, esse está dominado e não vai te dar problema.
Rosinha ficou arrasada. Quanta falta de exclusividade… Então o que seriam as cartas, mensagens e mimos que ele mandava? Seria igual para todas?
Mesmo sem nunca ter tido nada com Flávio, ela se sentiu traída. Como ele pode ser tão cafajeste? — pensava.
Os risos das colegas calaram Rosinha. Passou o resto da tarde muda. Na manhã seguinte, ao chegar no trabalho, como de costume foi abordada por Flávio.
Pensou em lhe dizer todos os desaforos do mundo. Porém, o que ocorreu foi muito diferente.
— Eu topo. — disse Rosinha, antes até do habitual “bom dia”.
Flávio levou alguns segundos para perceber do que se tratava. Estava com uma nova cantada pronta e não esperava que ela caísse antes de ouvi-la. “Caramba! O que eu iria dizer é tão bom que funciona até em pensamento!”, pensou.
— Te pego para almoçar então?
— Não. Assim eu não quero…
— Por quê? — perguntou Flávio meio que sem saber o que pensar.
— Fique tranquilo. Não estou dando para trás. Só não quero que seja uma fugida curta. Quero o pacote completo. Prefiro sair mais cedo e ficar mais tempo. Me pegue as quatro, até umas oito o Felipe não desconfiará.
Sem dó alguma do noivo, o que se viu naquela tarde foi o encontro de dois personagens dignos do Marques de Sade. Em uma escala de perversão de zero a dez, conseguiriam um oito pomposo, com mérito.
Um novo universo se abriu para Rosinha. Antes dessa experiência tinha a certeza de que era uma mulher feita. Depois do que aconteceu a única coisa certa para ela é que não tinha conhecido a satisfação até aquele dia.
Naquela noite Rosinha não dormiu. Não se sentia culpada, muito pelo contrário, se sentia tola por não ter feito antes.
Como o encontro aconteceu na sexta-feira, teve o final de semana todo para pensar. Na segunda chegou mais cedo ao trabalho e ficou esperando por Flávio. Por algum motivo ele não apareceu. Esperou uma ligação, uma mensagem, um sinal de fumaça, qualquer coisa. Nada aconteceu.
Os dias foram passando e o sumiço do rapaz deixou claro que o que eles tiveram foi apenas uma aventura. Mesmo assim, Rosinha continuava a esperar. Até que um novo encontro finalmente aconteceu. Não chegaram a conversar nem cinco minutos e já estavam em um motel. Depois disso, mais algumas semanas de sumiço.
Rosinha queria esquecê-lo, mas não conseguia. Resolveu colocar um fim no noivado um mês antes do casamento. Fato que chocou a todos, que ficaram sem entender nada.
Mesmo com certa falta de regularidade, continuou a se encontrar com Flávio, que em todos os encontros parecia ser o homem mais apaixonado do planeta. Em uma das ocasiões, Rosinha tomou coragem e resolveu confrontá-lo.
— Flávio, não aguento mais esse chove e não molha. Terminei meu noivado para ficar contigo. Seja sincero, me diga o que quer comigo. Quero saber se você me ama ou se sou só uma aventura.
Com muita doçura nos olhos, o rapaz titubeou, mas respondeu.
— Vamos por partes. Em primeiro lugar nunca te pedi para terminar seu noivado…
— Mas… — tentou interromper, Rosinha.
— Você já perguntou o que queria, agora me deixa terminar. O problema em questão não é o meu sentimento por você. Eu a amo. Mas também amo todas as mulheres. É um vício.
A sinceridade cafajeste de Flávio fez os olhos de Rosinha se encher de lágrimas, mas, por outro lado, mesmo que não sendo exclusiva, a declaração de amor à ela bastava naquele momento. 
F: Marcelo Vitorino 

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