Henrique Eduardo Alves: "Aprendi que o radicalismo nunca foi um bom conselheiro do Parlamento"
De molho no seu Estado, o Rio Grande do Norte, onde se recupera de uma cirurgia, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), acompanhou os desdobramentos da crise na Comissão de Direitos Humanos. Ele desaprovou a decisão do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) de restringir o acesso às reuniões da comissão, fechando-as para o público.
De molho no seu Estado, o Rio Grande do Norte, onde se recupera de uma cirurgia, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), acompanhou os desdobramentos da crise na Comissão de Direitos Humanos. Ele desaprovou a decisão do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) de restringir o acesso às reuniões da comissão, fechando-as para o público.
“Isso
foge à tradição do Parlamento. É absurdo”, disse Henrique Alves ao
blog, numa entrevista telefônica na noite passada. “Como é que vamos
impedir o acesso do povo ao Parlamento? Como impedir as pessoas de
acompanhar os debates nas comissões? Se há um lugar em que o povo tem
que ter todo o acesso é o Parlamento. Se o povo não puder entrar na sua
Casa, vai entrar onde?”
Henrique
disse que o regimento da Câmara autoriza a realização de reuniões
fechadas apenas em situações excepcionais, não como regra. “O tumulto só
desqualifica quem o promove. Mas a reação radical da presidência da
comissão cria mais problema, não solução.” O que fazer?, perguntou o
repórter. E o presidente da Câmara: “Vou ter o final de semana para
pensar no que fazer.”
Henrique
torceu o nariz também para a aprovação da viagem de Feliciano à
Bolívia. “Parece haver uma tentativa de criar um fato consumado. Mas é
preciso levar em conta que esse tipo de viagem, feita em nome da Câmara,
precisa ser aprovada pela presidência da Casa.”
Confirmou
para a próxima terça-feira (9) a reunião de Feliciano com o colégio de
líderes partidários. Foi informado de que o protagonista não faltará ao
encontro. “Sua ausência seria uma desatenção e até um desrespeito aos
líderes de todos os partidos da Casa.” Qual é o objetivo da conversa?
“Encontrar uma saída para que a comissão tenha funcionalidade.”
Há
duas semanas, Henrique dissera que a situação de Feliciano na comissão
tornara-se “insustentável”. Tomado pelas palavras, acha que a coisa não
evoluiu: “Quando a gente pensa que caminha para uma situação melhor, o
deputado vai a um culto e diz que, antes dele, a comissão era dominada
por satanás.” Vai abaixo a transcrição da entrevista:
— O que achou da decisão da Comissão de Direitos Humanos de restringir o acesso das pessoas às reuniões? Ao
longo da minha vida pública, aprendi que o radicalismo nunca foi um bom
conselheiro do Parlamento. O radicalismo não serve nem para a pessoa
que exerce o poder nem para as pessoas que o desafiam. A essência do
Parlamento, sua maior inspiração, é o incansável diálogo. Só o diálogo
conduz à boa solução política.
— Acha que a proposta do deputado Feliciano, aprovada pela comissão, foi uma saída radical? Foi
uma inabilidade dele. Não é uma norma da Casa impedir a participação de
segmentos organizados que queiram acompanhar a discussão dos temas do
seu interesse. Obviamente, esse acompanhamento tem que ser feito de
forma ordeira e respeitosa. O fechamento das sessões parte do
pressuposto de que a participação nunca será respeitosa. Não me parece
razoável supor de antemão que sempre haverá agressão. É algo que só pode
ser verificado em cada sessão. Essa antecipação me parece uma
precipitação que não contribui para o diálogo.
—
O deputado Feliciano alegou que, sem as restrições, o colegiado não
conseguiria trabalhar. Na semana passada, um manifestante chegou a subir
na bancada da comissão. Como realizar sessões nesse ambiente? Insisto
em que a participação das pessoas deve se dar de forma respeitosa. Esse
caso do sujeito que subiu na bancada foi absurdo, inaceitável. Dei
orientações claras à segurança da Casa. Em situações assim, a pessoa
deve ser posta para fora do prédio da Câmara. Mas há outras formas de
resolver o problema sem o fechamento de todas as sessões.
— Como? Na
semana passada, quando se previa a ocorrência de tumulto, eu mesmo
sugeri: você começa a reunião. Se não conseguir restabelecer a ordem,
prepara a sala de outra comissão ao lado e suspende a sessão. Os
deputados trocam de ambiente, saindo pelo corredor interno. E a reunião é
reaberta em sessão fechada. Foi o que aconteceu. O deputado Feliciano
seguiu o nosso conselho. Houve nova baderna nesta semana? Faz tudo de
novo!
— Nessa fórmula, a reunião continua sendo fechada. Não dá na mesma? Não.
O regimento da Casa prevê que, em situações excepcionais, o presidente
de uma comissão pode tornar a reunião fechada. Mas isso é a exceção. Não
pode ser a regra. As pessoas erram quando fazem baderna na comissão.
Mas não se pode, por conta disso, decidir simplesmente que todas as
sessões serão fechadas. Isso foge à tradição do Parlamento. É absurdo.
Como é que vamos impedir o acesso do povo ao Parlamento? Como impedir as
pessoas de acompanhar os debates nas comissões? Se há um lugar em que o
povo tem que ter todo o acesso é o Parlamento. Se o povo não puder
entrar na sua casa, vai entrar onde? O tumulto só desqualifica quem o
promove. Mas a reação radical da presidência da comissão cria mais
problema, não solução.
— O que fazer? Vou
ter o final de semana para pensar no que fazer. Há um quadro formado.
De um lado, pessoas que, a pretexto de participar, brigam, xingam e
sobem nas mesas para inviabilizar os trabalhos. Do outro lado, há
excessos na reação do comando da comissão. É uma situação muito
sensível.
— Há algo que a presidência ou a Mesa diretora da Câmara possa fazer? É
preciso lembrar que, em relação a essa decisão tomada agora, qualquer
deputado pode questionar o fechamento das reuniões. Qualquer um tem o
direito de questionar, porque foge à normalidade da Casa. Fechar é a
excepcionalidade. Abrir é a regra. Havendo o questionamento, obviamente a
Mesa terá de se pronunciar. À primeira vista, o fechamento não me
parece uma solução adequada.
— Aprovou-se também na Comissão de Direitos Humanos a viagem do deputado Feliciano e comitiva para a Bolívia. O que achou? Parece
haver uma tentativa de criar um fato consumado. Mas é preciso levar em
conta que esse tipo de viagem, feita em nome da Câmara, precisa ser
aprovada pela presidência da Casa. A comissão envia o requerimento ao
presidente da Câmara, que aprova ou não a viagem.
— E o presidente cogita não aprovar? Em
condições normais, o presidente de uma comissão tem amparo regimental
para propor essa ou aquela providência, para realizar isso ou aquilo.
Mas as circunstâncias, é preciso admitir, não são normais. Então, convém
analisar tudo muito bem antes de tomar uma decisão. No caso específico,
convém verificar os fundamentos da viagem à Bolívia.
— O objetivo é verificar a situação dos torcedores do Corinthians presos na cidade de Oruro, não? Soube
que houve um questionamento sobre a necessidade de ir ou não à Bolívia.
E o deputado Feliciano teria dito que conversou com as mães dos
torcedores, que elas choraram e que o governo brasileiro não teria
adotado as providências necessárias. Com todo o respeito ao sofrimento
das mães, é preciso verificar se o governo de fato não fez nada.
—
Na semana passada, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de
Relações Exteriores do Senado, esteve em Oruro e La Paz. Visitou os
prisioneiros, foi à Promotoria, teve audiência com um ministro boliviano
e visitou a embaixada brasileira. O senador não poderia compartilhar
com a Câmara as informações que recolheu? É evidente que
sim. Eu mesmo devo falar com o Ferraço. Ele pode nos dar informações
valiosas. Vamos analisar a motivação da viagem, se há mesmo procedência.
Quero saber em que estágio estão os contatos entre os governos do
Brasil e da Bolívia. É preciso conversar com o Itamaraty. Com todas as
informações em mãos, teremos condições de tomar a decisão mais
responsável. Do contrário, fica parecendo ôba-ôba.
— Já foi marcada nova data para a reunião do deputado Feliciano com o colégio de líderes? Está marcada. Será na terça-feira [9], às 11h.
— O deputado Feliciano disse que essa reunião tem o objetivo de achincalhá-lo. Acha que ele vai comparecer? Ele
irá. Pedi para falarem com o líder do PSC, André Moura. Acho importante
ele ir. Sua ausência seria uma desatenção e até um desrespeito aos
lideres de todos os partidos da Casa. Não faz sentido dizer que ele será
achincalhado. Não é esse o objetivo de ninguém. E vão estar lá líderes
que são favoráveis a ele: o Eduardo Cunha [do PMDB], o Anthony Garotinho
[do PR]…
— Qual é, afinal, o objetivo dessa reunião? Queremos
encontrar uma saída para que a comissão tenha funcionalidade. Nada além
disso. Todos querem que a comissão possa se reunir normalmente, que
tenha um plenário respeitado, uma pauta digna, discussões elevadas e um
resultado natural. Tudo isso depende muito do comportamento do deputado
Feliciano. Espero que ele compareça à reunião como presidente da
Comissão de Direitos Humanos, não como pastor. A democracia tem que ser
exercida de forma respeitosa. Não se chega a lugar nenhum na base do
grito. Tem que ser de forma equilibrada. E o deputado Feliciano poderia
contribuir para o estabelecimento desse equilíbrio. Todos querem que ele
presida. Mas a situação piorou. Soube que na reunião desta quarta-feira
havia duas torcidas, uma contra e outra a favor. Em vez de esfriar, a
situação fica cada dia mais difícil.
—
Há duas semanas, o sr. disse que a presidência do deputado Feliciano na
Comissão de Direitos Humanos tornara-se insustentável. Mantém a
opinião? Estávamos conversando com o líder do PSC
[deputado André Moura] e com o presidente do partido [pastor Everaldo],
que mudou de posição. Manteve a solidariedade ao deputado, na
perspectiva de que haveria um mergulho, que tudo iria serenar. Quando a
gente pensa que caminha para uma situação melhor, o deputado vai a um
culto e diz que, antes dele, a comissão era dominada porsatanás.
— Ele disse que falou como pastor, em ambiente religioso. Pois
é, ele diz que falou como pastor. O problema é que não é possível se
despir da condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos só
porque entrou na igreja. O que ele falou ali não foi a palavra de um
pastor num culto religioso. Foi a manifestação de um presidente da
Comissão de Direitos Dumanos da Câmara dos Deputados. O exercício de uma
função pública traz alguns bônus. Mas também traz ônus. Na presidência
da Câmara, eu não posso falar como se ainda fosse líder do PMDB. Como
presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deptado Feliciano não pode
chamar todo mundo que o antecedeu de satanás. Ao não distinguir joio de
trigo, o deputado dificulta as coisas.
— Qual é o papel do presidente da Câmara nessa crise? Minha
obrigação como presidente é fazer a Casa funcionar, fazer com que as
comissões tenham funcionalidade, que se reúnam democraticamente, em
ambiente respeitoso, capaz de acolher contrários e favoráveis às teses
em debate. Lamentavelmente, isso é o que menos ocorre lá na Comissão de
Direitos Humanos. Há exageros de todos os lados. Mas o que se espera do
presidente da comissão é ponderação.
—
Mudando de assunto: na sua campanha à presidência da Câmara, o sr.
assumiu o compromisso de aprovar o ‘Orçamento impositivo’ para as
emendas de parlamentares. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou
nesta quarta-feira uma emenda que prevê a execução obrigatória de todo o
Orçamento da União, não apenas das emendas. Acha possível que isso vire
realidade? Não há hipótese de aprovarmos nada que
inviabilize a execução orçamentária. O Orçamento da União é elaborado em
bases realistas. Mas traz sempre uma previsão de arrecadação tributária
que pode acontecer ou não. Às vezes a previsão é superada, outras vezes
não. Numa situação como essa, em que lidamos com o imponderável, não
podemos amarrar o Orçamento.
— Por que foi aprovada essa emenda? Veja
bem, a negociação que fiz com os líderes envolve as emendas
parlamentares. Mas era preciso colocar o tema do orçamento impositivo
para andar. Precisávamos de um gancho. Foram reunidas todas as propostas
que tramitavam na Casa. E a CCJ aprovou apenas a ‘admissibilidade’.
Agora, uma comissão especial vai tratar do mérito. Será elaborada uma
nova PEC [proposta de emenda constitucional], fruto desse entendimento.
— Qual será o teor dessa PEC? A
proposta será formatada numa ampla negociação. Vai tratar das emendas
individuais dos parlamentares, em valores a serem definidos. Tudo
negociado com o Executivo. Essas emendas podem inclusive ser
direcionadas para programas do próprio governo, nas áreas de saúde,
educação e segurança pública. Todos ganham e o parlamentar sai dessa
posição humilhante de mendigar a liberação de R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$
300 mil para seus municípios.
— Vários escândalos nasceram de emendas de parlamentares. Não é temerário tornar obrigatória a execução dessas emendas? Estamos
falando de emendas pequenas, com valores de R$ 100 mil a R$ 300 mil.
Não há escândalo nesse tipo de emenda. A PEC vai estabelecer limites e
formas de controle. Essas emendas individuais permitem que os
parlamentares atendam demandas de pequenos municípios. Demandas que não
costumam chegar nas mesas dos ministros. Um pequeno posto de saúde, uma
passagem molhada. O que não pode continuar como está: libera o de um,
segura o de outro. Solta a emenda do aliado, não empenha a da oposição.
Isso não é de agora. Vem de outros governos, o do Fernando Henrique, o
do Lula… Tem que acabar.
F: Blogosfera.uol.com.br
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