Não resta dúvida de que a sociedade brasileira tem demonstrado uma insatisfação total diante da péssima prestação dos serviços públicos. Por enquanto, os protestos têm se limitado aos gritos. De tanta gritaria, alguns slogans viraram meros clichês.
Um
desses são os gritos por justiça... justiça... justiça... Todos os dias a
televisão brasileira transmite programas mostrando pessoas numa grita geral
diante de mais um corpo de um jovem assassinado pela polícia, por
ex-companheiro do tráfico ou do crime em geral. Essas reclamações não têm
trazido resultados práticos. Eis o ponto crucial para um debate.
Existe
uma cobrança generalizada por mais politização dos brasileiros e se alega a
pouca participação nas ações dos gestores públicos.
Mas
são esses mesmos que não criticam um vidro quebrado, um carro virado, um rolo
de papel atirado nos endeusados políticos. Certa vez, o governador Mário Covas
tentou passar por cima do professorado em greve e foi atingido por um ovo na
testa. Repetiu-se a argumentação de época do risco à democracia.
Claro
que em sã consciência ninguém é favorável à depredação de bens públicos.
Entretanto, os chamados formadores de opinião precisam apontar uma forma de
reivindicação adequada e que traga resultados concretos.
Por
exemplo, precisam dizer como se deve fazer um protesto contra o aumento abusivo
no preço das passagens de ônibus para forçar a diminuição do preço. Quebrar não
deve, impedir a saída das garagens não pode, pois atrapalharia a vida de quem
não tem nada a ver. Tudo bem: basta os críticos dizerem o que deve ser feito.
São
totalmente ignorados os emails, os telefonemas, os desabafos em redes sociais e
as denominadas manifestações pacíficas. A prova recente disso são as eleições
dos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Comissão dos Direitos
Humanos e das Minorias da Câmara dos Deputados.
Os
palpiteiros literalmente agem como todo brasileiro comum. Eles se colocam acima
ou fora do problema ao atribuir solução sempre como dever do outro. Há que se
ter a coragem de defender algumas medidas drásticas nos embates
reivindicatórios. Por mais erros que cometam, a opinião pública tem que definir
de qual lado está. Defender participação sem consequências é contraditório e
sociologicamente insustentável.
Como
tento praticar as ideias que defendo, certa vez fui convidado para falar sobre
cidadania e a participação política.
Pedi
aos organizadores que fizessem dois bolos. Um de chocolate, com cerejas na
cobertura, o outro de fubá, bem sem doce, propositalmente horrível. E comecei a
falar de tratamento igualitário, de participação das pessoas para que os
políticos melhorassem a condição social da população. Sempre que faço qualquer
palestra, sugiro que as perguntas sejam feitas na hora da dúvida para saírem
mais contextualizadas – e não no fim, como a maioria exige.
Com
os demais componentes da mesa, começamos a comer o bolo de chocolate, e a
plateia o de fubá. Em poucos minutos, um cidadão indagou por que a diferença de
tratamento, se eu pregava exatamente em sentido contrário.
Respondi
que o objetivo seria aquele questionamento. Expliquei que assim são as
políticas públicas no Brasil. Enquanto eu não corresse o risco de perder o bolo
de chocolate, eu jamais melhoraria o bolo deles. Apenas melhoraria o deles, se
não houvesse risco de perda, mas somente igualaria se houvesse ameaça de perder
tudo. Eu resistira enquanto pudesse e usaria todas as armas para manter minha
mordomia. Já a população só chegaria a igualdade se me vencesse. E nós estamos
no plano físico, e o Estado é a prova inconteste de que, em última instância, a
força física é quem predomina. Cabe aos formadores de opinião mencionar como e
até onde empregá-la. Outro discurso é teoria dissimulada com o objetivo
deliberado de manter cada um comendo o bolo que merece.
F: Pedro Cardoso da Costa
F: Pedro Cardoso da Costa
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