quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

TURISMO RESPONSÁVEL NO FIM DO MUNDO

Embarcações aproximando-se de uma ilha povoada por biguás  imperiais e de pescoço negro.  Foto: Gentileza de Ingrid Lucer/FPN
Os guias turísticos foram os primeiros a notar alteração nas valiosas aves das ilhas do austral canal de Beagle, quando se aproximavam com suas ruidosas embarcações lotadas de visitantes.

Ushuaia, Argentina, 9 de janeiro de 2012 (Tierramérica)
Uma iniciativa nova de turismo responsável no austral canal de Beagle – passagem interoceânica entre as águas do Atlântico e do Pacífico – garante a convivência entre observação e preservação de espécies únicas de aves e mamíferos. Desde dezembro, as embarcações com turistas que cumprem uma série de normas, estabelecidas para não perturbar as aves que habitam as ilhas “do fim do mundo”, recebem o distintivo Compromisso Onashaga, uma certificação de qualidade.

As ilhas que emergem no estreito que separa os territórios mais austrais de Argentina e Chile, são Áreas Importantes para a Conservação de Aves, uma categoria definida pela entidade conservacionista BirdLife International e zonas de máxima diversidade destas espécies. Ali fazem seus ninhos e se reproduzem o biguá imperial (Phalacrocorax atriceps) e o de pescoço negro (Phalacrocorax magellanicus), o pinguim patagônico (Spheniscus magellanicus) e o pinguim gentoo (Pygoscelis papua), o gaivotão (Larus dominicanus), a gaivota (Larus scoresbii), o mandrião chileno (Stercorarius chilensis) e o trinta-réis-de-bico-vermelho (Sterna hirundinacea).

Também se pode ver das embarcações colônias de leões-marinhos-do-sul (Otaria flavescens), atapetando uma das ilhotas que salpicam este canal cuja largura oscila entre três e sete quilômetros. “A preocupação para regular certas práticas surgiu dos próprios donos das embarcações que percorrem o canal com turistas”, explicou ao Terramérica o ecologista Nicolás Pincol, da não governamental Fundação Patagônia Natural (FPN).

A bordo de um catamarã que faz o passeio, Pincol contou que os prestadores desse serviço notaram que, quando vários barcos se aproximavam ao mesmo tempo de uma ilha, as aves se punham em alerta, se assustavam e muitas fugiam deixando seus filhotes. Os empresários afirmam que essa preocupação era transmitida pelos guias de turismo. “Os guias diziam que havia uma invasão que tinha impacto sobre o recurso, e começamos a nos comprometer pela palavra, de maneira um pouco artesanal no começo, para cuidar disso”, contou ao Terramérica o dono de uma das empresas, Moreno Preto.

O acordo foi batizado de Compromisso Onashaga (vocábulo indígena que significa “canal dos caçadores” e com o qual o povo originário yámana se referia ao Beagle). Os yámanas, eles próprios caçadores que aproveitavam a diversidade de fauna local, habitavam, antes do Século 19, a costa sul da Terra do Fogo, a província mais ao sul da Argentina, banhada pelas águas do Beagle.

O Ministério do Turismo e a prefeitura responsável pela área se interessaram pela iniciativa, e também aderiram a FPN e outras organizações que deram assessoria técnica para a certificação. Entre todos formaram um Comitê de Acompanhamento do Compromisso Onashaga, que organizou painéis de formação e assessoria para as empresas, os guias de turismo e os membros da Prefeitura Naval, entre outros.

A FPN agregou esta iniciativa ao Sistema Interjurisdicional de Áreas Protegidas Costeiro-Marinhas, que busca ampliar a proteção da biodiversidade costeira e marinha da Patagônia. O Sistema facilita o trabalho conjunto de autoridades, organizações científicas e técnicas e setor privado para preservar espécies do sul da província de Buenos Aires até a Terra do Fogo.

A partir da assinatura do Compromisso de Onashaga, em 5 de outubro de 2005, as embarcações se comprometeram com medidas técnicas para evitar vazamento de combustíveis nas águas e com boas práticas turísticas. Em virtude do acordo, os capitães coordenam a aproximação individual de cada barco a uma ilha, em baixa velocidade para não causar distúrbios, enquanto as demais embarcações aguardam a uma boa distância ou visitam outras ilhotas.

Também é desligado o áudio externo da coberta que os guias utilizam para dar as explicações aos passageiros e se recomenda a estes falar em voz baixa e não alimentar os animais. “As empresas têm um manual de referência sobre diferentes práticas e, na medida em que cumprem estas normas, recebem uma pontuação. Com mais de 500 pontos recebem a certificação”, explicou Pincol. Também foram incorporadas recomendações para os passageiros, por exemplo, que reutilizem os copos nos quais são servidas bebidas durante o passeio e que não joguem pontas de cigarro nem nenhum outro resíduo na água.

Entretanto, o esforço ainda está longe de cobrir toda a atividade. Das 20 embarcações que navegam em cada temporada pelo Beagle, com cerca de 170 mil passageiros procedentes de todo o mundo, dez se candidataram à certificação e apenas oito a obtiveram. As demais devem continuar trabalhando para melhorar. Em alguns lugares pode-se desembarcar e, como parte da iniciativa, há caminhos sinalizados para que o visitante não pise onde não deve e nem leve plantas ou pedras.
F: Marcela Valente

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