segunda-feira, 21 de maio de 2012

A HISTÓRIA ESTRANGULADA

 Ex-presidentes Collor, Sarney, Lula e Fernando Henrique com a presidente Dilma: quem é o centro das atenções?  
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
 
COMISSÃO DA VERDADE
 O arquivo de Luiz Carlos Prestes será usado somente para incriminar o regime de 1964 – por isso, a garota de 16 anos que ele mandou estrangular continuará no esquecimento

Não, uma imagem não vale por mil palavras, pois até a famosa frase que diz o contrário (“uma imagem vale por mil palavras”) é a inevitável encarnação em verbo de um pensamento que ficaria mudo se só dispusesse de imagens para se expressar. Feita a ressalva, reconheço, no entanto, que há imagens que são muito expressivas, tão expressivas que agonizam no próprio silêncio e exigem palavras que as traduzam. É o caso da imagem que ilustra este artigo. Ela é a encarnação icônica da Comissão da “Verdade”, mas como poucas pessoas serão capazes de perceber isso sem que se lhes diga, é preciso proceder à sua transmutação verbal, o que significa afirmar — em palavras inequívocas — que esta imagem não passa de um engodo, uma mentira, uma verdadeira falsificação da história e da ética, por isso encarna, à perfeição, a espúria Comissão da “Verdade” — que, a rigor, jamais poderia ser escrita sem aspas.
 
A fotografia em questão foi feita pelo fotógrafo Roberto Stuckert Filho e, como se pode ver, retrata a presidente da República, Dilma Rousseff, acompanhada dos ex-presidentes Fernando Collor, José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. A mentira que a foto encarna está na própria disposição dos fotografados. Apesar de ser uma foto oficial da própria Presidência da República — o que significa que nunca seria produzida e divulgada, aleatoriamente, sem planejamento —, não é Dilma quem está no centro da imagem, mas Lula. Ora, se Dilma é a atual presidente, ela e não Lula é quem deveria estar no foco da câmera, ladeada pelos ex-presidentes. De preferência, numa sequência cronológica e centrípeta, em que à sua direita ficassem Collor e Sarney (da lateral para o centro) e à sua esquerda Fernando Hen­rique e Lula (também da lateral para o centro).
 
Ainda que o fotógrafo tivesse adotado uma perspectiva chapada, com foco cronológico e não visual, em que os presidentes posassem numa sequência histórica, não seria correto colocar Lula no centro da imagem. Nesse caso, a sequência deveria começar com Sarney, à esquerda, e terminar com Dilma, à direita. Lula seria o quarto na imagem, imediatamente antes de Dilma. Por que, então, Lula aparece no centro? Porque Roberto Stuckert Filho, apesar de ser o fotógrafo oficial da presidente Dilma Rousseff, não pareceu preocupado em retratá-la em plena posse da dignidade do cargo — pelo contrário, preferiu render-se ao culto à personalidade de Lula. Tanto que sua foto é praticamente idêntica à que foi tirada por seu irmão, Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do Instituto Lula e ex-fotógrafo oficial da Presidência durante o governo de seu atual patrão. É como se a Presidência da República e sua ocupante estivessem subordinadas ao Instituto Lula e seu mito.
 
O espectro Lula   
Stuckert, como no poema de Pessoa, é um fotógrafo fingidor: finge tão completamente, que chega a fingir que Lula ainda é o presidente que não deixou de ser. Lula não desencarnou da Presidência, nem vai desencarnar. O Brasil terá de exorcizá-lo, mas, para isso, precisa desejar-lhe longa vida. Se morrer antes de ser desconstruído, Lula vai virar Perón — um mito político que atrapalhará o Brasil da mesma forma que o peronismo até hoje atrapalha a Argentina. Lula é o “presidente-em-si” que faz de Dilma a “presidente-vir-a-ser”. Por isso, ela precisa dos moinhos de vento dos juros ou da risível fantasia de representante das mulheres para exorcizar o espectro do Gepeto político que ronda sua biografia de boneca de pau. Faz-se de figura histórica (“a primeira mulher presidente”), mas não passa da Amélia que Lula criou e nutriu, sobretudo, para passar à história como o líder que deu ao País sua primeira presidente — por sinal, imitando Fernando Henrique, que ansiava pelo orgulho histórico de ser o intelectual que entregou o poder ao operário.
 
Da mesma forma que a foto oficial da Presidência da República reescreve a imagem do presente para manter Lula no centro do poder, a Comissão da “Verdade” pretende reescrever a história do Brasil à imagem e semelhança da mitologia esquerdista, anulando a conciliação possível em nome de uma vingança estratégica. O desrespeito da esquerda à verdade histórica beira a insanidade. Lula chegou a declarar que a Comissão da “Verdade” representa um “passo estupendo na conquista da democracia”. Ora, se depois de 33 anos da Lei da Anistia, 30 anos das eleições diretas para governadores, 28 anos da campanha pelas Diretas-Já, 27 anos da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, 24 anos da promulgação da Constituição, 23 anos da eleição direta para presidente e 20 anos da cassação de um presidente da República sem que ocorresse qualquer abalo institucional, o País ainda estiver dando um passo para a democracia, como acredita Lula (escarrando no prato democrático que o cevou e em que chafurda), então, a nação brasileira deve pôr as barbas de molho: democracia para essa gente é só um pretexto.
 
Isso também fica muito claro no discurso de Dilma Rousseff ao instalar a Comissão da “Verdade”. A presidente disse textualmente: “O que fazemos aqui, neste momento, é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo mesma”. Também a presidente acha que o Brasil não vive a democracia, a ponto de precisar refazer sua história. Se esse país tivesse uma oposição com vergonha na cara, Dilma teria que se explicar. Imaginem um presidente norte-americano ou um primeiro-ministro inglês ou francês pondo em dúvida a plenitude democrática de seus respectivos países? Seria um escândalo. No Brasil, Lula faz essa afirmação acintosa, Dilma a repete do alto de seu mandato eletivo, mas ninguém lhes cobra uma satisfação. Isso significa que o Brasil é, sim, uma democracia, mas pode deixar de ser, uma vez que a nação permite graves ofensas ao regime democrático justamente por parte dos que mais se beneficiam dele.
 
Luta armada precoce 
Dilma Rousseff disse várias vezes em seu discurso que a Comissão da “Verdade” não quer revanche. Mas, nas entrelinhas, a verdade é outra. Ela faz uma comparação velada entre os que pegaram em armas contra o regime militar e os que se apegaram à luta institucional para redemocratizar o país, e toma o partido da luta armada, mesmo admitindo que o povo brasileiro “abomina a violência e preza soluções negociadas para as suas crises”. Eis o que Dilma disse textualmente: “Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988. Assim como respeito e reverencio os que lutaram pela democracia enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e lutadoras, também reconheço e valorizo pactos políticos que nos levaram à redemocratização”.
 
Observem os verbos escolhidos pela presidente. Ela diz “reconhecer” e “valorizar” os pactos políticos, mas aos “lutadores e lutadoras que enfrentaram bravamente o Estado” (eufemismo para luta armada) dedica o verbo “reverenciar”, que tem um caráter sagrado, pois é sinônimo de “venerar”, “idolatrar”, “adorar”, “prestar culto”. Isso significa que, no fundo, Dilma atribui o fim do regime militar não à luta institucional de figuras como Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela e Tancredo Neves, mas, sim, à guerrilha clandestina da qual participou, como integrante da VAR-Palmares. O que é uma completa distorção da história. A Comissão da “Verdade” foi instalada por Dilma sobre a mentira: os que pegaram em armas contra o regime militar não lutavam pela democracia enfrentando a “truculência ilegal do Estado”, como afirmou a presidente; muito pelo contrário, Dilma e seus companheiros de guerrilha é que representavam um Estado muito mais truculento — a sanguinária ditadura cubana de Fidel Castro e Che Guevara, que fuzilou 17 mil pessoas e provocou a morte de dezenas de milhares de cubanos que tentavam fugir da ilha-cárcere.
 
Em 1961, três anos antes da tomada do poder pelos militares, Fidel Castro já tentava deflagrar a revolução comunista no Brasil, dando início ao financiamento de grupos guerrilheiros no país. Em seu livro “O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil” (Editora Mauad, 2001), a historiadora Denise Rollemberg (doutora pela Universidade Federal Fluminense, com pós-doutorados na Unicamp e na Universidade de Paris) demonstra que, já em 1962, um grupo dissidente do PCB, com o apoio de Cuba, comprou fazendas em Goiás, Acre, Bahia e Pernam-buco com o objetivo de instalar campos de treinamento de guerrilhas em apoio às Ligas Camponesas de Francisco Julião. Os guerrilheiros, em sua maioria, não eram camponeses, mas estudantes secundaristas e universitários, numa prova de que a guerrilha brasileira — inclusive a Guerrilha do A­raguaia — nunca teve respaldo popular. A mito da revolução armada era o crack dos desajustados da época, e comunistas como João Amazonas, que viciavam os jovens nessa droga ideológica, arrastando-os para morrer na clandestinidade, deveriam ser julgados pela história como genocidas. Eis uma pauta para a Comissão da “Verdade”.
 
“Empoderando”  excluídos 
Ainda que sem querer, a historiadora Denise Rollemberg desmente Dilma Rousseff ao deixar claro que a luta armada no Brasil não foi um movimento de resistência e, sim, uma ação revolucionária que antecedeu o próprio regime militar. Rollemberg afirma, textualmente, em seu livro: “A relação das Ligas Camponesas com Cuba evidencia a definição de uma parte da esquerda pela luta armada no Brasil, em pleno governo democrático, bem antes da implantação da ditadura civil-militar. Embora não se trate de uma novidade, o fato é que, após 1964, a esquerda tendeu — e tende ainda — a construir a memória da sua luta, sobretudo, como de resistência ao autoritarismo do novo regime. É claro que o golpe e a ditadura redefiniam o quadro político. No entanto, a interpretação da luta armada como, essencialmente, de resistência deixa à sombra aspectos centrais da experiência dos embates travados pelos movimentos sociais de esquerda no período anterior a 1964”.
 
 Antes que alguém acuse a historiadora de pertencer à direita reacionária, convém fazer um esclarecimento: ao reconhecer que a luta armada teve início antes do golpe militar, que deu início à Revolução de 64, Denise Rollemberg não estava tentando incriminar a guerrilha; pelo contrário, tentava enaltecê-la, mostrando que a esquerda brasileira pode ser dona de seu próprio destino. A historiadora mostra que a esquerda brasileira não teve uma conduta apenas reativa, como mera resposta à ditadura militar, mas revolucionária, buscando o poder pela ação armada. De certo modo, sua pesquisa se encaixa na tendência dos estudos históricos e sociológicos contemporâneos, que abominam a ideia de vitimização e, se pudessem, dariam um jeito de “empoderar” até o verme que primeiro roer as frias carnes do próximo cadáver de um “excluído”, numa tentativa desesperada de fabricar novas classes revolucionárias, uma vez que o clássico proletariado de Marx e Engels — a classe revolucionária, por excelência, segundo o “Manifesto Comunista” — há muito deixou de existir.
 
A Comissão da “Verdade” é uma tentativa de “empoderar” até os cadáveres das vítimas da ditadura, transformando-os em espectros ideológicos a serviço da política dos vivos. A tagarelice histórica dos vencidos de 64 tende a silenciar ainda mais a verdade, agora que ela será posta a serviço de uma comissão oficial. Foi o que deixou claro uma das personalidades intelectuais mais lamentáveis do país — o sociólogo e diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, secretário nacional dos Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. Esse tucano de alma petista é doutor em Estudos Po­líticos pela Uni­ver­si­dade de Paris e livre-docente da USP, além de ter lecionado em várias universidades estrangeiras, mas sempre que abre a boca sua arrogância o induz a arrotar asneiras. Quan-do o menino João Hé­lio foi arrastado e mor­to num assalto, ele assinou em parceria um artigo quadrúpede na “Folha de S. Paulo” em que ofendeu todas as pessoas que ficaram horrorizadas com o crime, acusando-as de “babar sangue” por pedir a punição dos culpados. Agora, com a mesma linguagem de botequim, Paulo Sérgio Pinheiro diz: “Ne­nhuma comissão da verdade teve ou tem essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos crimes e das vítimas. Isso não existe”.
 
A culpa da “direita” 
Mas justiça seja feita: se a Comissão da “Verdade” se consolidar como Comissão da Vingança, como quer a esquerda, a “direita” terá grande parcela de culpa nessa tragédia histórica. Especialmente tucanos como Fernando Henrique Cardoso, que, mesmo sendo aplicados fiadores de todas as teses sociais da esquerda, são sempre enquadrados na “direita reacionária e fascista”, bastando chegar a época das eleições. A indústria da anistia, que até 2008 já tinha torrado R$ 2,4 bilhões na indenização de presos políticos ou seus familiares, teve início justamente no governo de Fernando Henrique, que, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deu declarações entre ingênuas e ambíguas sobre o papel da Comissão da “Verdade”. Fernando Henrique disse que a comissão tem a missão de “revelar tudo” e Alckmin, como se fosse Lula, afirmou que ela vai “consolidar a democracia” e “orientar o futuro do país”. Essas declarações dignas de Alice no País das Maravilhas são feitas justamente quando um tucano que integra a comissão (Paulo Sérgio Pinheiro) já disse que só um lado será investigado, ainda que também ele venha com a historieta para boi dormir de que não haverá revanche. Pode até não haver por falta de força da esquerda, não por falta de vontade.
 
Prova disso é que a esquerda tentou disfarçar seu revanchismo contra o regime militar, recuando a investigação histórica até o ano de 1946 — o que não faz nenhum sentido, pois esta é justamente a data da primeira Constituição democrática da República, que garantiu ao país um período de grande liberdade política para os padrões da época. Diante do apoio quase unânime dos formadores de opinião, da imprensa à academia, a criação da Comissão da “Verdade” era praticamente inevitável, mas a oposição poderia ter proposto que se investigasse também a Revolução de 30 ou pelo menos a ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945. Não importa que os protagonistas dessa época já estejam mortos. Se o trabalho da comissão fosse pautado na verdade e não na vingança, que diferença isso faria? A ditadura de Getúlio Vargas, a despeito dos muitos avanços sociais que a Revolução de 30 propiciou ao país, também prendeu e torturou presos políticos. Quando da Intentona Comunista de 35, apenas em Recife, segundo o historiador Edgar Carone, foram indiciadas mais de 30 mil pessoas, entre revolucionários e suspeitos, e muitas prisões foram acompanhadas de fuzilamentos e torturas.
 
Até o escritor Graciliano Ramos, que não era filiado ao Partido Comunista e não se encaixava em movimentos coletivos, dado o seu acendrado individualismo, acabou sendo preso em 3 de março de 1936, em Maceió, e  levado para o Rio de Janeiro, onde amargou dez meses de prisão entre ladrões e assassinos, sendo libertado apenas em 3 de janeiro de 1937. Por muitíssimo menos, apenas algumas horas de interrogatório em delegacia, intelectuais de esquerda fizeram fortuna e fama du­rante o regime militar, mesmo estando longe da grandeza intelectual do autor de “Vidas Secas”. No clássico “Memórias do Cárcere”, em que narra sua passagem pelos porões da ditadura Var­gas, Graciliano Ra­mos também retrata a tortura sofrida pelo secretário-geral do Partido Comu­nista, An­tônio Maciel Bonfim: “Nunca os mé­todos brutais da reação pareceram, invisíveis e ampliados, tão bárbaros. Ferimentos vários cicatrizavam à nossa vista e não nos sensibilizavam, as próprias vítimas pareciam esquecê-los. As torturas infligidas a Mi­randa, arriado numa cama ali perto, conjugavam-se a aventuras e perigos, romantizavam-no, quase o glorificavam. Tínhamos enfim matéria suficiente para um esboço de herói”.
 
Verdade estrangulada 
Esse trecho das “Memórias do Cárcere” em que Graciliano Ramos descreve a tortura sofrida pelo comunista Antônio Maciel Bonfim (conhecido na clandestinidade como “Miranda”), é um exemplo da complexa condição humana que jamais se reduz a palavras de ordem ideológicas. Na luta política subversiva, mais do que na vida política legal, o caráter do militante é continuamente testado, não apenas no confronto com a polícia política, mas também na sua relação com os companheiros de aventura clandestina. Como um dos grandes psicólogos da literatura brasileira, Graciliano Ramos enxerga muito além das chagas aparentes que a ditadura getulista abrira no corpo do comunista Miranda e, por entre a carne que lhe parecera lacerada, esmiúça a alma fútil de um herói de fancaria, que, sob o ruído da palavra fácil, logo se ergueu do catre, entre os companheiros de prisão, para ostentar os supostos suplícios que sofrera, num indigno contraste com a dor calada dos demais torturados. “Ninguém se inferiorizava lembrando as violências animais” — confessa o escritor, num alerta que nasce nos porões da ditadura Vargas, mas precisa ecoar nos salões da Comissão da “Verdade”, antes que ela sucumba ao revanchismo.
 
Se o trabalho dessa comissão abarcasse o período da Revolução de 30, aí, sim, é bem provável que a Verdade — com “V” maiúsculo e sem aspas — finalmente aflorasse aos olhos da nação. O inevitável confronto entre a Re­vo­lução de 30 e a Revolução de 64 — que são bem maiores do que seus respectivos núcleos ditatoriais — teria o condão de aparar as arestas da arrogância e dilatar os poros da compreensão, amenizando o esgar maniqueísta que impera entre os formadores de opinião na imprensa e nas universidades. Ao perceber que o governo Vargas legou ao país a legislação trabalhista, o voto feminino e instituições de classe como a OAB, mas também recorreu a torturas, violações dos direitos humanos e até uma guerra civil contra o Estado de São Paulo, os jo­vens aprenderiam que o arbítrio, assim como a liberdade, é sempre humano e complexo, e que o regime militar não pode ter sido apenas uma re­doma de chumbo e sombra, a não ser que as vítimas do período não fossem filhas da mesma terra e da mesma história de seus algozes.

Sobretudo poderiam comparar a criminosa violência dos torturadores com a não menos criminosa amoralidade dos revolucionários. Ao mesmo tempo em que a Comissão da “Verdade” iria se debruçar nas sevícias e mortes de mulheres nos porões da ditadura militar, ela também teria que dissecar a alma de um histórico herói da esquerda — o mítico Luiz Carlos Prestes, imortalizado num romance de Jorge Amado como o “Cavaleiro da Es­pe­rança”. Quando o Brasil embarcou no “queremismo”, que pregava a volta de Getúlio Vargas ao poder, ao fim do Estado Novo, Prestes, em nome do Partido Comunista, apoiou Vargas, mesmo sabendo que o ditador lhe arrancara dos braços a mulher grávida, enviando Olga Benário para morrer na câmara de gás de Hitler. Incom­pre­ensível e cruel? Não, para um revolucionário como Prestes, que, em 1936, já havia sentenciado à morte a jovem Elza Fernandes, uma garota de 16 anos, e ainda recriminou o “sentimentalismo” dos camaradas do PCB, que relutavam em executar a sentença. Ironi­ca­mente, a Comissão da “Ver­dade” vai se debruçar sobre o arquivo de Prestes, que, acredita-se, contém o nome de 233 torturadores, somente do regime militar, pois nenhum outro passado interessa à co­missão. Muito menos o passado de Elza, a Garota, que, a­lém de estrangulada pelos camaradas de Prestes, foi es­trategicamente apagada de sua biografia. E, se depender da Co­missão da “Verdade”, continuará no esquecimento.
F: OP

Um comentário:

  1. Quanta asneira! Um texto que retrata a revolta e o ódio... Morram ou mudem de país...
    Queiram ou não, o Lula foi e sempre será o maior presidente da história do país... Morram velharada invejosa.

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