O tenete-coronel reformado, Maurício Lopes Lima, acusado de tortura na
ditadura militar, em seu apto no Guarujá
Foto: O Globo/Michel Filho
Foto: O Globo/Michel Filho
GUARUJÁ (SP) - De bermuda e chinelos, com uma barriga que extrapola a barra da camiseta branca e puída, o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima nem de longe lembra o homem da pomposa foto do Exército, o mesmo acusado pela presidente Dilma Rousseff e por dezenas de presos políticos de torturas e abusos durante o regime militar. Aos 76 anos e se dizendo "quase gagá", Lima ficou trancado em seu apartamento, sozinho, esperando que os manifestantes do Levante Popular da Juventude fizessem seu esculacho, na porta do prédio de classe média onde mora no Guarujá, litoral paulista.
Tenente-Coronel Maurício Lopes Lima
Alguns vizinhos desceram dos apartamentos para
ouvir os jovens gritando que, "sob a aparência de um senhor aposentado, se
esconde um monstro que assassinou camaradas, trabalhadores e estudantes".
Relutante, o militar da reserva acabou recebendo a reportagem em seu
apartamento. Negou os crimes de tortura e não escondeu que pode mentir no processo
que sofre do Ministério Público Federal, que o acusa de cometer crimes contra
20 pessoas, entre eles três assassinatos. Lima conta que esteve com Dilma em
três ocasiões e que a então guerrilheira era "durona", mas não pegava
em armas.
O GLOBO. O que o sr. acha da manifestação desses
jovens?
MAURÍCIO LOPES LIMA: Acho um besteróide. O
Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro em tempos passados
tentaram revolucionar este país. Agora, pelo menos, eles estão levando a
garotada para a bagunça. O PCdoB levou a garotada para a Guerrilha do Araguaia.
Eles são os culpados, eles que fizeram a guerrilha. Nós cumprimos um papel de
quem reage.
O sr. é processado pelo Ministério Público
Federal pela morte de Virgílio Gomes da Silva (o "Jonas", da Aliança Libertadora
Nacional-ALN). Qual a sua defesa?
LIMA: Eu não estava lá. Foi no dia 29 de setembro
e eu entrei na Oban (Operação Bandeirantes) em 5 de outubro de 1969.
Ele já estava desaparecido?
LIMA: Ele estava morto mesmo. Eu tive notícias,
eu não sabia que era Virgílio, mas sabia que um terrorista tinha morrido ali.
O senhor é acusado de outros cinco
desaparecimentos pelo MPF...
LIMA: Outros cinco? Vocês ainda acreditam no
Ministério Público Federal? Ele mente.
E há denúncias de tortura (são 20 acusações)...
LIMA: Existe uma coisa que é o livro do Frei
Betto, o "Diário de Fernando". Ele demonstra a força do coletivo:
tinha o coletivo da cela, o coletivo da ala. E o que o coletivo assumia passava
a ser verdade. Quando chegava a parte do advogado, ele já fazia de comum acordo
com o que estava previsto no coletivo. Sobre a morte do Virgílio? Eu não estava
lá. Sobre a tortura da filha do Virgílio, eu não estava lá.
O senhor tem uma cópía da ficha da Dilma no Dops,
aquela que dizem que é falsa. Ela é falsa?
LIMA: Pode ser. O Dops era uma organização que
tinha vida própria. O Dops era uma coisa, a OB (Oban) era uma coisa. Inclusive
havia um conflito imenso entre o Dops e a Oban. Motivo: (delegado) Fleury.
Porque o Fleury queria fazer certas coisas que nós não concordávamos. Fleury
escondia informações. Fleury fazia o que queria.
E disseram que ele ganhava um dinheiro também?
LIMA: O problema de ganhar dinheiro depende da...
eu não ganhei nenhum tostão. O delegado eu não sei. Eu posso até ter certeza de
que, ele era um homem que frequentava a noite, mas eu não tenho como acusar.
O sr. esteve em algum momento com a presidente Dilma?
LIMA: Eu tive três momentos. O primeiro quando
ela foi presa. Nós tínhamos a suposição de que ela era a Dilma e não tínhamos
certeza. Chegaram para mim e disseram "Maurício, você tem o dossiê da
Dilma?". E eu: "tenho."
O que dizia esse dossiê?
LIMA: O nome, o nascimento, o nome do amante
(risos), o que ela era na organização etc.
E o que ela era na organização?
LIMA: Ela era amante de um dos dirigentes (ele se
refere a Carlos Araújo, o "Max", da VAR-Palmares).
Mas ela tinha
ação. Ela fazia uma ligação entre a cúpula e as regionais. Disso eu não tenho
dúvida.
Ela pegou em armas?
LIMA: Não. Chegou aqui um jornalista, me tentou
de todas as maneiras dizer que a Dilma tinha pego em armas. Mas eu digo: como é
que eu vou dizer se eu tenho certeza que ela não pegou.
Mas aí ela já estava presa e o sr. precisava
identificar se era ela mesmo?
LIMA: Eu cheguei e falei: dona Dilma Vana
Rousseff Linhares, a senhora nasceu em tanto, na cidade de tal, seu pai era
tal, o seu marido. Quando eu falei no amante dela, ela falou: "É, eu sou a
Dilma mesmo, você sabe mais do que eu". Dois dias depois, ela foi
designada para percorrer os locais que ela denunciou. O primeiro que ela
denunciou era uma fábrica de bombas que já tinha explodido. E eu: "ih,
essa daí..." A segunda foi um pé-de-chinelo que Deus me livre e a terceira
foi um terrorista que morava com a mãe em um aparelho.
Ela não entregou ninguém importante (para a
organização)?
LIMA: Importante ela não entregou.
O sr. achou que ela era "jogo duro"?
LIMA: Eu já sabia. Ninguém galga uma certa
posição numa organização sem ter coragem. Vocês estão vendo a Dilma aí, o que
ela faz. O Lula, com todo o endeusamento, nem pensou em fazer e ela está
fazendo. Então, calma que ela não é, como eu digo, não é flor que se cheire.
Ela é durona. Ela enfrentou o próprio Lamarca e o Lamarca era meio
"tantã", certo? Podia ter dado um tiro nela tranquilamente. E ela
enfrentou e conseguiu dinheiro, conseguiu armas quando teve a separação da
VAR-Palmares (de Dilma) com a VPR (de Lamarca). As duas organizações se uniram
por um pequeno prazo, acho que uns três meses.
E a separação maior foi pelo dinheiro do cofre do
Adhemar de Barros?
LIMA: O dinheiro e o armamento. A Dilma exigiu a
divisão do dinheiro e do armamento.
Brigar com os líderes do Congresso hoje é
"fichinha" para ela?
LIMA: Sim. Eu não tenho nada contra ela. Acho que
foi uma boa guerrilheira. Agora, dizer que era boazinha, não, não. Mas não
pegou em arma. Isso eu garanto. Eu não encontrei a mais leve. Para mim, seria
ótimo dizer que ela era terrorista. Não é. Ela pertencia a uma organização
subversiva e acabou. Na auditora, ela declara que não pode aceitar o capitão
Maurício Lopes Lima como testemunha porque ele é um dos torturadores da Oban.
Ela declarou isso e mais dois ou três declararam a mesma coisa. Por favor,
foram depoimentos arrumados. Ela disse várias vezes (em entrevistas
posteriores) que eu não a torturei. O direito de qualquer réu é não criar
provas contra si. Isso quer dizer: pode mentir que não tem problema.
O sr. está dizendo que Dilma mentiu?
LIMA: Não. Ela exerceu um direito. É diferente de
chamar apenas de mentirosa. Como agora no julgamento, se for necessário, eu
posso exercer esse direito também. Isso é inerente à Justiça brasileira.
Por que a presidente disse, em entrevista, que o
sr. não "batia bem da bola"?
LIMA: Porque eu entrava nos aparelhos, aquele
negócio, eu não tinha medo. Se me dessem tiro, eu dava tiro também.
O sr. matou muita gente?
LIMA: Não, não matei ninguém.
Nem em confronto?
LIMA: Em confronto morreram dois comigo, que são
justamente dois casos que estou sendo acusado pelo Ministério Público, que
foram Antonio dos Três Reis e Alceni (Maria Gomes da Silva). Me disseram que em
um aparelho, dentro de um alçapão, poderia ter um terrorista. Abri o alçapão,
saiu um terrorista e me deu seis tiros. Eu saltei para trás, rolei e saí da
linha de tiro.
O sr. tem as marcas de bala?
LIMA: Nenhuma. Não acertou nenhuma. Um blog
comunista disse que era muito engraçado não ter acertado nenhuma. É que o
"lá de cima" não é comunista. Se fosse, tinha acertado. Não tenho
culpa. Tenho sorte. Virei quase uma lenda de "corpo fechado" por
causa dessas porcarias. Ele descarregou a arma, deu uma paradinha de uns três
segundos, deu mais um tiro e aí o acertaram.
O sr. estava com colete? Já se usava naquela
época?
LIMA: Não se usava nem colete nem mulher. Se
precisasse de uma mulher tinha uma peruca. Ficavam lindos, de peruca na
campana.
O sr. imagina que vá ser convocado para a
Comissão da Verdade?
LIMA: Que verdade? Tem um livro chamado Direito à
Memória e à Verdade feito pela Presidência da República. Ali só contém mentira.
Ali foram coletadas as declarações à auditora (militar).
E as declarações feitas sob tortura? Não são
mentira?
LIMA: A defesa de todos é que tinham sido
torturados.
E não foram?
LIMA: Tenho certeza que muitos não foram. Não vou
dizer nomes.
A presidente Dilma não foi torturada?
LIMA. Não sei, não sei, não sei.
Não tinha a cadeira do dragão lá, o senhor nunca
viu?
LIMA: Vi, opa! Mas a cadeira do dragão tem várias
coisas. Ela tem por exemplo o intuito de deixar a pessoa... Uma das defesas da
pessoa são os gestos. Estou me defendendo aqui, estou fazendo os gestos. Quando
você prende mãos, a pessoa fica sem (defesa).
Ah, coronel, por favor, o senhor acha que era
isso que faziam na cadeira do dragão? Amarrar a pessoa?
LIMA: Muitos nem se amarravam. Por exemplo, tinha
os cubanos, os que fizeram curso em Cuba. Esses daí não precisava torturar em
nada. Com a prisão eles contavam tudo. Motivo: o curso em Cuba colocava tal
medo nas pessoas que, quando o "cubano" caía aqui, ele dizia: não
precisa fazer nada comigo que eu conto tudo.
Mas existem laudos médicos que mostram que as
pessoas foram torturadas.
LIMA: Sim, mas quantos? Em 30 mil, quantos?
O sr. acha admissível a tortura como método de
investigação?
LIMA: Eu não, mas tem várias pessoas que aceitam.
Existem várias correntes que dizem que a tortura para se conseguir as
informações é melhor do que deixar de capturar o terrorista.
Mas mesmo assim o senhor nunca torturou?
LIMA: Não, eu não precisava.
O sr. é acusado também também de ter torturado o
Frei Tito.
LIMA: Absolutamente. Fui ver o Frei Tito ele já
com os braços cortados e o levei ao Hospital das Clínicas. Ele havia tentado se
suicidar.
O sr. se arrependeu de alguma coisa?
LIMA: Não. O que eu quero que você saiba é que eu
não acuso ninguém de mentira. Esse combate todo é uma mentira.
F: extralalgoas.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário